Para formarmos os chamados mapas cerebrais internos, os neurocientistas já conheciam a importância do sistema de percepção visual. Eles só não haviam percebido ainda que a ordem cronológica dessas “visões” era tão importante.
Dirigir para o trabalho tornou-se uma rotina em muitas de nossas vidas – mas será que seríamos capazes de dirigir todo o caminho de trás para frente? Os seres humanos, como muitos animais, estão acostumados a verem os objetos ficarem para trás à medida em que avançam no espaço. Os mesmos objetos movendo-se em direção oposta não é algo natural.
Em um novo estudo, os cientistas do Instituto de Pesquisa Scripps (TSRI) revelam que mover-se para frente realmente treina o cérebro para perceber o mundo normalmente. Os resultados também mostram que a relação entre os neurônios no olho e o cérebro é mais complicada do que até então se pensava; na verdade, a ordem em que as coisas são vistas pode ajudar o nosso cérebro a calibrar o modo como percebemos o tempo, bem como os objetos que nos rodeiam.

Invertendo os mapas cerebrais
O novo estudo começou quando Masaki Hiramoto, um cientista do laboratório de Cline, fez uma importante pergunta: “Como é que o sistema visual do cérebro se sintoniza melhor com o passar do tempo?”
Estudos anteriores haviam mostrado que as pessoas utilizam o sistema visual para criar uma espécie de mapa interno do mundo. A chave para criar este mapa cerebral está em perceber o “fluxo óptico” de objetos quando eles caminham ou se dirigem para a frente. “É natural, porque nós aprendemos isso”, disse Cline.
Para estudar como esse sistema se desenvolve, Hiramoto e Cline usaram girinos transparentes para observar as fibras nervosas – os axônios – desenvolvidas entre a retina e o cérebro. Os cientistas marcaram as posições dos axônios utilizando proteínas fluorescentes.
Os girinos foram subdivididos em grupos e cresceram em pequenas câmaras. Para um grupo foi mostrada uma tela de computador com barras de luz que passavam pelos girinos da frente para trás, simulando um fluxo óptico normal, caso o animal se movesse para a frente. Um segundo grupo viu as barras em sentido inverso, simulando um movimento para trás não natural. Utilizando o recurso de microscopia disponível no TSRI Dorris Neuroscience Center, Hiramoto então capturou imagens em alta resolução desses neurônios à medida em que cresciam ao longo do tempo.
Os pesquisadores descobriram que o mapa cerebral visual dos girinos se desenvolveu normalmente quando mostradas as barras movendo-se de frente para trás, ou seja, como se eles estivessem se movendo para frente. Mas, nos girinos que assistiram as barras em ordem inversa, os axônios estenderam-se para pontos errados em seu mapa. Com esses axônios fora de ordem, o cérebro iria perceber imagens visuais como invertidas ou distorcidas.
Reescrevendo as regras
Esta descoberta desafia a regra em neurociência, que remonta a 1949. Até o momento, os pesquisadores sabiam que era significativo que os neurônios vizinhos disparassem mais ou menos ao mesmo tempo, mas não haviam percebido que a sequência temporal dos disparos também era importante. “De acordo com a regra antiga, se houvesse um estímulo dirigido para trás, o mapa seria ótimo”, disse Cline. O novo estudo adiciona o elemento de ordem. Os pesquisadores mostraram que objetos em movimento da frente para trás no campo visual ativam as células da retina em uma sequência específica.
Cline e Hiramoto acreditam que esta sequência ajuda o cérebro a perceber a passagem do tempo. Por exemplo, se você dirigir por alguns minutos e passar uma placa de rua, seu cérebro vai mapear a posição dela atrás de você. Caso você continue a dirigir e passe mais um sinal de rua, seu cérebro vai mapear não só a posição relativa ao outro sinal de rua, mas também a distância temporal delas.
Esta ligação entre tempo e espaço no sistema visual pode também aplicar-se à audição e ao tato. A pergunta inicial de como o sistema visual se sintoniza ao longo do tempo pode ser aplicável a todo o cérebro.
Os pesquisadores acreditam que este estudo pode ter implicações para os pacientes com distúrbios do processamento sensorial e temporal, incluindo autismo e uma desordem misteriosa chamada síndrome da Alice no País das Maravilhas, onde a pessoa percebe objetos como desproporcionalmente grandes ou pequenos. Cline disse ainda que o novo estudo oferece possibilidades para treinar o cérebro a mapear o mundo corretamente, por exemplo, após um acidente vascular cerebral.