Certamente você já ouviu falar da associação entre envelhecimento precoce e o estresse crônico. Será que essa relação foi validada pelos cientistas? De que forma o ambiente pode acelerar o envelhecimento das nossas células, do nosso corpo?
Situações estressantes, além de serem comuns na vivência de todos os sujeitos, possuem um papel importante no fornecimento de repertório, aprendizado e resiliência humana. Ao enfrentarmos uma situação desafiadora, os sistemas responsáveis pela nossa regulação psicológica são ativados¹, a partir do que chamamos de reação à ameaça². A reação à ameaça corresponde ao reconhecimento do estímulo e na ativação do sistema neuroendócrino, liberando os hormônios cortisol, adrenalina e norepinefrina².
Após esse estágio, o organismo busca a homeostase e sua sobrevivência, em um estágio que chamamos de adaptação. No entanto, como a adaptação requer gasto energético e a nossa energia disponível é limitada, situações de estresse contínuo podem gerar uma fase de esgotamento, acarretando efeitos adversos à nossa saúde².
Portanto, apesar do estresse agudo proporcionar uma resposta adaptativa ao indivíduo, fornecendo maior capacidade para atender demandas ambientais, o estresse crônico e intenso impacta negativamente na saúde³. Estudos na área sugerem que o estresse crônico acelera o envelhecimento celular ao proporcionar a erosão dos telômeros⁴.
O que são telômeros?
Telômeros são estruturas proteicas presentes nas extremidades dos cromossomos⁴ que têm como função a proteção do DNA¹,².
O comprimento dos telômeros é um marcador utilizado para identificar a idade celular, visto que seu comprimento é suscetível aos fatores genéticos e ambientais, além da idade cronológica. Considerando essa característica, os telômeros são capazes de prever diversas doenças associadas ao envelhecimento, como também situações de mortalidade precoce⁴,⁵.
Vale ressaltar que doenças relacionadas com a idade (ex: Alzheimer) se expressam principalmente na velhice. Porém, quando falamos de envelhecimento celular, estamos abordando um processo que ocorre ao longo da vida, que começa antes do nascimento e perdura a vida inteira. Mutações genéticas que afetam os telômeros estão relacionadas com o envelhecimento celular prematuro⁴.
A alta exposição ao estresse também foi associada ao menor comprimento dos telômeros pela literatura. Situações exacerbadas de estresse, como experiências traumáticas e estresse pré-natal, foram relacionadas com o encurtamento acelerado dos telômeros⁶.
Consequências do estresse oxidativo
O estresse oxidativo acontece quando a produção de radicais livres de oxigênio ultrapassa a capacidade de atuação dos antioxidantes (como a glutationa peroxidase (GPx)) responsáveis por neutralizá-los¹,⁷.
Os marcadores de estresse oxidativo estão associados com a diminuição da atividade da telomerase: enzima que auxilia na manutenção e no alongamento dos telômeros¹. O estresse oxidativo provoca o envelhecimento celular acelerado e apoptose – morte celular – quando a atuação da enzima GPx é insuficiente³.
Estudos observaram que sujeitos com transtornos de humor e estresse crônico apresentam telômeros e leucócitos significativamente menores quando comparados a sujeitos com bons índices de saúde mental ².
Em suma, a oxidação afeta a saúde cerebral, podendo danificar o DNA, as proteínas e tecidos¹. Como a exposição ao estresse acelera o envelhecimento celular, pesquisadores evidenciam a importância referente a intervenções psicológicas e sociais para promoção de saúde e bem-estar aos indivíduos².
Transtornos mentais e envelhecimento celular
Sujeitos diagnosticados com ansiedade e depressão são mais suscetíveis ao envelhecimento biológico avançado¹,⁵. Esse fenômeno pode ser evidenciado através da observação de telômeros mais curtos em pacientes com esses diagnósticos quando comparados aos sujeitos saudáveis¹. Outros estudos corroboram ao sugerir que transtornos mentais – como transtornos ansiosos e transtorno depressivo maior – estão associados a alterações no comprimento dos telômeros⁴.
Além disso, pesquisadores relacionam a alta taxa de comorbidade de doenças comuns na velhice (ex: doenças cardiovasculares, acidente vascular cerebral (AVC) e quadros de demência) com quadros de ansiedade e depressão, indicando uma possível associação entre transtornos mentais e taxas mais aceleradas de envelhecimento celular⁴.
Fatores de risco
O início precoce de doenças crônicas, e até mesmo casos de mortalidade precoce, parecem estar relacionados (em grande parte) aos maus hábitos, como: inatividade física/sedentarismo, alimentação de baixa qualidade, privação de sono, tabagismo e consumo alcóolico em excesso⁴. Além dos fatores comportamentais, fatores estressores ambientais (principalmente no início da vida) parecem afetar a saúde celular².
Circunstâncias psicológicas, ambientais e genéticas afetam a resposta dos sistemas responsáveis por regular o estresse¹. Estudos na área apresentam correlação entre os altos níveis de cortisol, depressão, redução do volume do hipocampo e prejuízos cognitivos².
Histórico de vida: Adversidades durante a infância – tais como perda parental e/ou casos de negligência e abuso – estão associadas a depressão durante a vida adulta. Além disso, a exposição ao estresse ambiental durante o início da vida também se relaciona à hiperatividade do eixo HPA, diminuição do volume hipocampal e menor potencial de
ligação ao transportador serotoninérgico¹.
Uso de substâncias: O uso excessivo do álcool suscita o início prematuro de doenças associadas ao envelhecimento, como o câncer⁸. Um estudo identificou redução do comprimento dos telômeros quase pela metade em alcóolicos (diagnosticados de acordo com os critérios do DSM-IV-TR) em comparação com os do grupo controle (indivíduos que bebem socialmente) ⁸.
Apesar do histórico adverso de vida ser capaz de reprogramar a resposta ao estresse, afetando a saúde no seu âmbito biopsicossocial, intervenções psicológicas e farmacológicas parecem ser eficazes para regulação do sistema: estudos apontam que os antidepressivos diminuem o estresse oxidativo, desacelerando o envelhecimento biológico dos indivíduos com depressão¹.
Fatores de proteção: estilo de vida e saúde
Alguns estudos indicam que fatores de estilo de vida saudável parecem corroborar com a manutenção ou até mesmo com o alongamento dos telômeros, sendo fatores protetores à saúde e idade celular⁴.
Atividade física. Em estudos com roedores, foi observado que exercícios de resistência não só aumentam o condicionamento físico como também são capazes de atrasar o envelhecimento a nível celular. Já em estudos com humanos, a atividade física autorrelatada aparece associada com tamanhos maiores de telômeros, além dos níveis de telomerase se apresentarem mais altos em atletas que em pessoas sedentárias da mesma idade⁴.
Alimentação saudável. Pesquisadores afirmam que a ingestão de alimentos ricos em fibras e vitaminas está associada ao maior comprimento dos telômeros, enquanto o consumo de alimentos ricos em gorduras poli-insaturadas e carnes processadas se associa inversamente, ou seja, sujeitos com essa dieta tendem a apresentar telômeros mais curtos⁴.
Qualidade do sono. Um estudo sobre sono identificou que mulheres com idade inferior a 50 anos com hábito de dormir menos de 6h/dia (em média) possuem telômeros encurtados em relação a mulheres que dormem 9h/dia. Além do tempo de sono, a pesquisa também mapeou a qualidade das horas, em que mulheres que relataram baixa qualidade de sono apresentaram comprimento menor dos telômeros⁹. De acordo com os pesquisadores, a baixa duração do sono, como também o trabalho durante o período noturno, podem ser considerados fatores de risco para distúrbios metabólicos, doenças cardiovasculares e câncer⁹.
Tratamento farmacológico. A ativação da enzima telomerase é capaz de mediar a eficácia do tratamento em psiquiatria, incluindo o tratamento com antidepressivos, lítio e antipsicóticos⁷. Um estudo indicou que a resposta antidepressiva estava associada a uma menor atividade da telomerase antes do tratamento e maior atividade ao longo do tratamento farmacológico.
Psicoterapia. Um estudo pioneiro investigou o envelhecimento celular e proteção ao estresse oxidativo antes e após um tratamento em TCC para sujeitos com Transtorno de Ansiedade Social. O aumento da atividade das enzimas telomerase e GPx durante o tratamento foi associado a melhora dos sintomas ansiosos, mas o comprimento dos telômeros e a atividade da telomerase não sofreram alterações após o tratamento⁷.
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