A comida afeta o nosso cérebro de muitas maneiras, e um evento neurofisiológico particularmente importante é a liberação de dopamina, um neurotransmissor bastante relacionado à motivação. Como vimos em outros artigos, assim como as drogas viciantes, comer alimentos, especialmente aqueles altamente processados e hiperpalatáveis, libera muita dopamina e pode viciar.
Ao contrário da crença popular, a dopamina não está diretamente vinculada ao aumento do prazer. Ela incentiva-nos a repetir comportamentos que nos ajudam a sobreviver – como comer alimentos nutritivos e reproduzir-nos. Quanto mais dopamina for liberada, maior será a probabilidade de repetirmos esse comportamento.
Quando nos referimos aos alimentos, muitas novas pesquisas têm sido desenvolvidas e conclusões bastante interessantes apontam que a alimentação disfuncional é de fato capaz de estimular comportamentos compulsivos, viciar.
Alimentos gordurosos, açucarados e a liberação de dopamina
Quando comemos gordura e açúcar, sensores na boca enviam uma mensagem para liberar dopamina no corpo estriado, uma região do cérebro associada ao movimento e ao comportamento gratificante. Mas esse processo sensorial oral é apenas um dos mecanismos; há também um sensor secundário no intestino que registra gordura e açúcar.
Embora os pesquisadores ainda estejam mapeando como exatamente a presença de açúcar é sinalizada do intestino para o cérebro, a forma como a gordura é sinalizada no eixo intestino-cérebro está bem documentada. Quando a gordura é detectada na parte superior do intestino, a mensagem é transportada pelo nervo vago (associado a várias funções inconscientes, como digestão e respiração), das porções mais inferiores do tronco encefálico até o corpo estriado.
Cientistas já documentaram que alimentos ricos em gordura e açúcar podem aumentar a dopamina no estriado até 200% acima dos níveis normais – um aumento semelhante ao observado com a nicotina e o álcool, dois vícios muito comuns. Especificamente, um estudo descobriu que o açúcar aumentou os níveis de dopamina em 135 a 140 por cento, e a gordura os aumentou em 160 por cento em outro estudo, embora demore mais para fazer efeito.
Outro ponto a destacar é o poder dos alimentos multi e ultraprocessados em estimular o nosso cérebro rapidamente. De acordo com uma hipótese conhecida como “rate hypothesis”, quanto mais rápido algo afetar o cérebro, mais viciante será essa substância. Muitos desses alimentos processados são essencialmente pré-digeridos para maximizar a velocidade de liberação de dopamina. Foram criados, inconscientemente ou conscientemente, para que você os consumo repetidas vezes, compulsivamente.
Pode piorar: o combo açúcar + gordura
A comida é um poderoso reforçador natural que orienta as decisões alimentares. Como vimos no início do artigo, o nervo vago transmite informações sensoriais internas do intestino ao cérebro sobre o valor nutricional. Um novo estudo procurou examinar a base celular e molecular dos circuitos de recompensa de alguns macronutrientes, especificamente encontrar evidências diretas de vias vagais para a detecção de gorduras e açúcares na dieta a partir da luz intestinal.
O estudo foi realizado em 70 ratos. Usando captura genética dependente de atividade de neurônios vagais ativados em resposta a infusões intestinais de nutrientes, o estudo demonstrou a existência de circuitos intestino-cérebro separados para detecção de gordura e açúcar que são necessários e suficientes para reforço específico de cada um desses nutrientes. Ou seja, há uma especificidade neurofisiológica e até neuroanatômica para a detecção de açúcares e gorduras.
Uma conclusão ainda mais interessante levantada pelo estudo publicado na revista Cell Metabolism em janeiro de 2024 é que, mesmo quando se controla as calorias, a ativação combinada dos circuitos de gordura e açúcar aumentou tanto a liberação de dopamina nigroestriatal como a alimentação excessiva em comparação com a gordura ou o açúcar isoladamente. Além disso, a preferência pelo combo açúcar + gordura tem a ver com a sensação desses nutrientes no intestino e não com o sabor na boca.
A publicação liderada pela neurocientista Molly McDougle fornece novos insights sobre o complexo circuito sensorial que medeia o comportamento motivado e sugere que um impulso interno subconsciente para consumir dietas obesogênicas pode impedir esforços conscientes de dieta. Um mecanismo a mais que ajuda a explicar por que manter a linha quando o assunto é alimentação saudável parece (e de fato é) tão complicado.
Referências e Leitura Complementar:
- Yang, A. (2022). How sugar and fat affect your brain. Site National Geographic, Science. ➞ Ler Artigo
- McDougle, M., de Araujo, A., Singh, A., Yang, M., Braga, I., Paille, V., … & de Lartigue, G. (2024). Separate gut-brain circuits for fat and sugar reinforcement combine to promote overeating. Cell Metabolism, 36(2), 393-407. ➞ Ler Artigo