O hipocampo é uma estrutura cerebral pequena, porém fundamental para diversas funções cognitivas, como a memória, a aprendizagem e a regulação emocional. Apesar de seu tamanho modesto, seu impacto no funcionamento do cérebro é imenso. Ele está envolvido desde a codificação de novas experiências até a navegação espacial e a neurogênese adulta.
Com os avanços nas neurociências, o hipocampo se tornou um dos focos principais de pesquisa sobre doenças neurodegenerativas, estresse crônico, plasticidade cerebral e desenvolvimento cognitivo.
Neste artigo, exploraremos em detalhes o que é o hipocampo, onde ele se localiza, quais são suas funções principais, como está envolvido na formação da memória e por que continua sendo um campo de estudo fascinante para a neurociência. Tudo isso com base em evidências científicas atualizadas e com uma linguagem acessível, porém tecnicamente rigorosa.
O que é o hipocampo?
O hipocampo é uma estrutura do cérebro localizada na região medial do lobo temporal, fazendo parte do sistema límbico. Seu nome vem do grego hippokampos, que significa “cavalo-marinho”, devido ao seu formato curvado característico que lembra o animal. Está presente em ambos os hemisférios cerebrais.
Ele é uma das estruturas mais citadas na literatura neurocientífica devido ao seu papel vital na memória e no aprendizado. Alterações estruturais ou funcionais no hipocampo estão diretamente associadas a doenças como Alzheimer, epilepsia temporal, depressão, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e esquizofrenia.
Localização e anatomia do hipocampo
Nos cortes coronais de imagem por ressonância magnética, o hipocampo aparece como uma estrutura em forma de ‘C’ situada no corno temporal do ventrículo lateral. Ele está associado ao giro denteado e ao subículo, formando um complexo funcional conhecido como formação hipocampal. Essa formação está conectada a diversas outras áreas do cérebro, como o córtex pré-frontal, a amígdala e o tálamo.
O hipocampo é composto, essencialmente, por dois tipos de neurônios:
- Células piramidais: neurônios excitatórios, principais responsáveis pela transmissão dos impulsos elétricos.
- Células GABAérgicas (como as células em cesta): têm função inibitória, regulando a atividade das células piramidais e evitando a hiperexcitabilidade neuronal.
Essa arquitetura permite que o hipocampo funcione como uma espécie de centro de integração e modulação de informações sensoriais e emocionais.
Qual a função do hipocampo?
Memória
O caso H.M. e a descoberta da amnésia anterógrada
Um dos marcos mais importantes na história da neurociência aconteceu na década de 1950, com os estudos de Brenda Milner e William Scoville. Eles investigaram o caso do paciente H.M. (Henry Molaison), que teve seus lobos temporais mediais, incluindo os hipocampos, removidos cirurgicamente para tratar uma epilepsia severa.
Após o procedimento, H.M. desenvolveu uma condição chamada amnésia anterógrada, ou seja, ele foi incapaz de formar novas memórias episódicas, apesar de sua memória antiga permanecer preservada. Esse caso forneceu as primeiras evidências sólidas de que o hipocampo é crucial para a consolidação de memórias recentes.
Estudos posteriores confirmaram que a destruição bilateral do hipocampo em humanos leva à perda da capacidade de armazenar novas informações, enquanto a memória de longo prazo e o conhecimento adquirido anteriormente são, em grande parte, preservados.
Especialização hemisférica: memória verbal e não verbal
A especialização hemisférica do cérebro também se aplica ao hipocampo:
- O esquerdo está mais relacionado à memória verbal, como o armazenamento de nomes, palavras e sequências linguísticas.
- O direito, por sua vez, está envolvido na memória não verbal, como imagens, sons, localização espacial e memórias visuais.
Essa distinção ajuda a entender por que lesões unilaterais podem afetar de forma seletiva certas capacidades cognitivas, enquanto lesões bilaterais geralmente causam déficits mais amplos e profundos.
Atenção, alerta e comportamento exploratório
Além de seu papel na memória, o hipocampo também está envolvido em processos como atenção, alerta e comportamento exploratório. Estímulos visuais, auditivos, gustativos e somatossensoriais podem gerar respostas hipocampais, evidenciando suas conexões com diversas áreas corticais e subcorticais.
Experimentos com animais mostraram que a estimulação do hipocampo pode induzir comportamentos de busca, exploração visual e até manifestações de ansiedade. Esses achados são coerentes com a ideia de que atenção, foco e memória estão intimamente interligados.
Navegação espacial
Estudos com ratos, conduzidos por John O’Keefe (ganhador do Prêmio Nobel de Medicina de 2014), mostraram que neurônios específicos do hipocampo, chamados células de lugar, se ativam quando o animal se encontra em uma determinada posição no ambiente. Isso fundamenta a teoria de que o hipocampo funciona como um “GPS interno”.
Esse sistema é fundamental não só para animais, mas também para humanos. Taxistas londrinos, por exemplo, demonstram aumento de volume hipocampal após anos memorizando os mapas da cidade. Isso reforça a relação entre memória espacial e plasticidade cerebral.
Neurogênese: novos neurônios ao longo da vida
Durante muito tempo acreditou-se que o cérebro adulto não era capaz de produzir novos neurônios. No entanto, pesquisas recentes derrubaram essa crença. Estudos demonstraram que a região do giro denteado, no hipocampo, é um dos poucos locais onde ocorre neurogênese adulta – ou seja, o nascimento de novos neurônios mesmo em indivíduos adultos.
Estima-se que cerca de 700 novos neurônios são produzidos diariamente em cada hipocampo (Spalding et al., 2013). Esses neurônios estão associados à renovação das capacidades cognitivas, adaptação a novos ambientes e resiliência frente ao estresse.
A neurogênese hipocampal é influenciada por diversos fatores:
- Exercício físico
- Alimentação saudável
- Estímulos intelectuais
- Sono adequado
- Redução do estresse crônico
Principais correlações clínicas
Hipocampo, emoções e doenças mentais
O hipocampo também possui conexões importantes com estruturas envolvidas na regulação emocional, como a amígdala. Isso explica sua participação em distúrbios como:
- Transtornos de ansiedade
- Depressão maior
- Transtorno de estresse pós-traumático (TEPT)
Em indivíduos com depressão crônica, por exemplo, foi observada uma redução significativa do volume hipocampal, possivelmente associada à exposição prolongada ao cortisol, o hormônio do estresse. A boa notícia é que intervenções como antidepressivos, psicoterapia e atividade física podem contribuir para a neurogênese e até reverter parte dessa atrofia.
Hipocampo e doença de Alzheimer
Um dos primeiros sinais da doença de Alzheimer é justamente a atrofia do hipocampo. Isso ocorre porque essa estrutura é essencial para a formação de novas memórias, o que explica a perda de memória recente típica da fase inicial da doença.
A ressonância magnética é frequentemente utilizada para detectar a redução do volume hipocampal em estágios precoces, contribuindo para o diagnóstico diferencial. Pesquisas também têm investigado marcadores moleculares e estratégias de prevenção, como dieta mediterrânea, exercícios e controle de fatores vasculares.
Considerações finais: por que o hipocampo importa tanto?
O hipocampo é muito mais do que um repositório de memórias. Ele é uma interface entre o mundo externo e nossa capacidade de aprender, lembrar, planejar, tomar decisões e até sentir. Sua versatilidade funcional faz dele uma das estruturas mais complexas e fascinantes do cérebro humano.
Compreender o hipocampo é essencial não apenas para a neurociência, mas também para áreas como educação, psicologia, psiquiatria, neurologia e desenvolvimento humano. Investir em hábitos saudáveis, estímulos cognitivos e bem-estar emocional é uma maneira prática de preservar a saúde hipocampal e, por consequência, a qualidade de vida.
Referências e Leitura Complementar:
- Afifi, A. K., & Bergman, R. A. (2006). Neuroanatomía funcional: texto y atlas. McGraw-Hill Interamericana.
- Spalding, K. L., Bergmann, O., Alkass, K., Bernard, S., Salehpour, M., Huttner, H. B., … & Frisén, J. (2013). Dynamics of hippocampal neurogenesis in adult humans. Cell, 153(6), 1219-1227. ➞ Ler Artigo
- McEwen, B. S. (2007). Physiology and neurobiology of stress and adaptation: central role of the brain. Physiological reviews, 87(3), 873-904. ➞ Ler Artigo
- Small, S. A., Schobel, S. A., Buxton, R. B., Witter, M. P., & Barnes, C. A. (2011). A pathophysiological framework of hippocampal dysfunction in ageing and disease. Nature Reviews Neuroscience, 12(10), 585-601. ➞ Ler Artigo
- Milner, B., Squire, L. R., & Kandel, E. R. (1998). Cognitive neuroscience and the study of memory. Neuron, 20(3), 445-468. ➞ Ler Artigo
- Keefe, J. O., & Nadel, L. (1978). The hippocampus as a cognitive map. Clarendon Press.