Pensamos a todo instante. Graças às funções executivas, conseguimos regular nossos comportamentos a partir dos processos mentais envolvidos no planejamento, na tomada de decisão e na resolução de problemas. Em outras palavras, as funções executivas nos permitem traçar objetivos e alcançá-los¹.
Nos quadros psiquiátricos, as funções executivas (FE) parecem estar prejudicadas². Uma mente ansiosa, por exemplo, tende a apresentar pensamentos catastróficos, com preocupações desproporcionais aos perigos reais. Nesse caso, ocupa-se muito tempo em situações hipotéticas em detrimento do planejamento referente a resoluções de problemas reais, de maneira eficaz.
A evitação é uma estratégia disfuncional de enfrentamento muito utilizada em quadros de ansiedade, a fim de diminuir o desconforto emocional, impedindo que o sujeito apresente ações direcionadas aos seus objetivos. Portanto, a regulação emocional é um fator crucial para boa execução das funções executivas, pois não há resultado sem ação.
As principais funções executivas
As FE estão relacionadas com a atenção e manutenção do foco, o exercício da escolha e a evitação da impulsividade, a partir da disciplina e do autocontrole. As FE, portanto, são recrutadas quando o ‘piloto automático’ não se mostra suficiente para atender uma demanda, como em casos de situações novas e/ou imprevisíveis³.
Podemos dividir as principais FE em três núcleos: memória de trabalho, controle inibitório e flexibilidade cognitiva³. A memória de trabalho tem como objetivo reter uma informação na mente e tornar possível sua manipulação, ou seja, visa o trabalho mental de informações que não estão perceptivamente presentes. Já o controle inibitório nos permite agir de uma maneira pensada e consciente em detrimento do comportamento impulsivo, enquanto a flexibilidade cognitiva é o oposto da rigidez, sendo considerada a capacidade de mudança de perspectiva⁴.
A importância das funções executivas na saúde
As FE têm um papel fundamental em diversos aspectos importantes na vida do sujeito, como na qualidade de vida, harmonia conjugal, saúde física e mental, competência escolar, profissional, social e emocional¹﹐³.
Estudiosos apontam relação das FE com estresse conjugal, suicídio, baixa adesão ao tratamento clínico e baixo desempenho acadêmico². Pesquisadores da área também sinalizam que o estresse, a privação de sono, a solidão e a falta de atividade física prejudicam o funcionamento das FE³.
Além disso, o componente do autocontrole – presente nas FE – parece estar relacionado a melhor qualidade dos relacionamentos interpessoais e uma vida mais feliz, enquanto o baixo autocontrole se associa a comportamentos disfuncionais, como impulsividade com compras, endividamento financeiro, padrões alimentares desadaptativos e procrastinação⁵.
Transtornos de ansiedade e prejuízo nas funções executivas
A maioria dos estudos sobre FE e transtornos de ansiedade se concentrou em pesquisas com idosos⁶. As pesquisas identificaram que a ansiedade está relacionada com declínio cognitivo acelerado e maior risco de demência.
Uma resposta desequilibrada às ameaças nos transtornos ansiosos está envolvida com disfunções em circuitos cerebrais responsáveis por processos psicológicos centrais, tais como: atenção, emoção, aprendizado e memória⁷.
Hipersensibilidade ao erro nos transtornos ansiosos
Há uma correlação robusta na pesquisa entre os transtornos ansiosos e tomada de decisão (execução de tarefas), no qual pesquisas apontam que ao cometer um erro em determinada tarefa, pacientes ansiosos evocam uma resposta de negatividade relacionada ao erro maior que a resposta encontrada em pacientes saudáveis. Sendo assim, estudos relatam que o aumento da negatividade associada ao erro reflete as alterações na tomada de decisão, devido a hipersensibilidade à ameaça e o sistema de alerta sobre as possíveis consequências adversas por conta do erro⁷.
O papel das emoções
Com relação aos Transtornos de Ansiedade, as FE que devem ter maior comprometimento são aquelas associadas com regiões relacionadas à circuitos cerebrais do medo, como córtex frontal e regiões límbicas, que envolvem tanto as funções executivas quanto o processamento emocional⁸.
Uma revisão sistemática identificou que sujeitos com transtorno de ansiedade generalizada (TAG) apresentam pior desempenho que os controles nas funções executivas (memória de trabalho, inibição cognitiva, tomada de decisão), enfatizando a influência de estímulos emocionais ansiogênicos no desempenho das tarefas e na inibição cognitiva¹⁰.
Para compreender melhor os papéis das emoções, alguns autores sugerem a divisão entre as funções executivas frias – associadas ao pensamento abstrato e raciocínio lógico – e as funções executivas quentes – associadas aos aspectos emocionais, motivacionais e ao desejo²﹐⁸. Vale ressaltar que a divisão é apenas de cunho teórico, visto que as medidas de FE sempre envolvem a combinação dos dois componentes (quentes e frios)⁹.
Intervenções clínicas
A partir do avanço dos estudos na área da neuropsicologia, existem evidências que as FE apresentam um papel de grande importância nos processos de aprendizagem e nos comportamentos autorregulatórios¹. Resultados de estudos neurofisiológicos e neuropsicológicos frisam a importância das emoções na regulação das funções executivas, visto que a escolha racional é orientada por reações emocionais que geram influência na tomada de decisão⁹.
Referente aos estudos com pacientes psiquiátricos, há evidências de intervenções eficazes na melhora das FE². Treinamento formal em resolução de problemas diários, intervenções cognitivas e automonitoramento são algumas técnicas já utilizadas para melhor desempenho das funções.
Apesar dos achados, mais estudos com adultos jovens e sujeitos de meia-idade se mostram necessários, pois a intervenção neuropsicológica com esses públicos pode ter caráter preventivo e poder evitar a manifestação de problemas psicológicos mais duradouros.
Referências e Leitura Complementar:
- Cardoso, C. D. O. (2017). Programas de intervenção neuropsicológica precoce-preventiva: estimulação das funções executivas em escolares. ➞ Ler Artigo
- Malloy-Diniz, L. F., Miranda, D. M., & Grassi-Oliveira, R. (2017). Executive functions in psychiatric disorders. Frontiers in Psychology, 8, 1461. ➞ Ler Artigo
- Diamond, A. (2020). Executive functions. In Handbook of Clinical Neurology (Vol. 173, pp. 225-240). Elsevier. ➞ Ler Artigo
- Diamond, A. (2013). Executive functions. Annual Review of Psychology, 64, 135-168. ➞ Ler Artigo
- Gillebaart, M. (2018). The ‘operational’ definition of self-control. Frontiers in Psychology, 9, 1231. ➞ Ler Artigo
- Gayete, S., Gine, A., Miret, M., Ayuso-Mateos, J. L., Haro, J. M., & Olaya, B. (2020). Cognitive function associated with different diagnoses of anxiety disorders over the lifespan: Results from a Spanish representative sample. Journal of Anxiety Disorders, 75, 102296. ➞ Ler Artigo
- Penninx, B.W.J.H et al. (2021). Anxiety disorders. The Lancet, Inglaterra, vol. 397, n. 10277, p. 914–927, 2021.
- Müller, J. D. L. (2016). Avaliação neuropsicológica das funções executivas em pacientes com transtorno de ansiedade e seus familiares. ➞ Ler Artigo
- Uehara, E., Charchat-Fichman, H., & Landeira-Fernandez, J. (2013). Funções executivas: Um retrato integrativo dos principais modelos e teorias desse conceito. Neuropsicologia Latinoamericana, 5(3). ➞ Ler Artigo
- Langarita-Llorente, R., & Gracia-García, P. (2019). Neuropsicología del trastorno de ansiedad generalizada: revisión sistemática. Revista de Neurologia, 69(2), 59-67. ➞ Ler Artigo