Praticamos exercícios mentais quando decoramos alguma resposta para prova, gravamos um script de uma peça, ensaiamos e aprendemos falas de um filme ou de um livro. Geralmente, fazemos isso para nos sentirmos mais seguros e preparados para a ação.
Porém, não costumamos nos exercitar mentalmente de forma regular, apenas quando precisamos potencializar nossa performance de maneira rápida (como revisar a matéria de uma prova horas antes dela ser aplicada), o que faz com que subestimemos tal eficácia¹.
Apesar de já esperarmos que o exercício mental seja um grande aliado cognitivo e estratégico, já que a repetição facilita a consolidação da memória, estudos também observaram efeitos da prática mental na melhora do tempo e na precisão de movimentos motores, assim como no ganho de massa muscular em atividades de força².
O pensamento, portanto, é um campo de estudo muito importante para as neurociências. Pesquisas mostram que exercícios mentais são capazes de aprimorar nosso desempenho e fortalecer nossas comunicações sinápticas, além de serem capazes de mudar nossa anatomia cerebral¹.
Pensamento e performance
Estudos evidenciaram que o pensamento repetido sobre uma tarefa promove mudanças a nível cerebral e aumenta a qualidade de execução¹﹐³. Se imaginar executando uma tarefa apresentou melhorias na velocidade dos movimentos, força muscular, variabilidade dos movimentos e até mesmo na taxa de erro³. Com isso, considera-se que a imaginação é capaz de aumentar a eficiência sináptica em nível cortical e espinhal, além de fortalecer unidades motoras de nível neuromuscular³.
Em um experimento, participantes praticaram musculação de segunda a sexta-feira por quatro semanas, e posteriormente foram divididos em três grupos: o primeiro grupo executou atividades de contrações isométricas dos músculos, o segundo grupo imaginou a ação dessas mesmas contrações, enquanto o terceiro grupo não treinou nem imaginou a execução. Como resultado, identificaram que a força média do primeiro grupo aumentou em 30%, do segundo em 22% e do terceiro grupo (grupo controle) em 3,7%. Logo, os pesquisadores concluíram que o aumento de força pode ser atingido tanto pela ativação muscular quanto pela imaginação da execução. Durante as ativações imaginárias, os neurônios que promovem as instruções para movimentos sequenciais são ativados, suscitando maior potência quando os músculos de fato são contraídos⁴.
Apesar do ganho de força ser inferior na imaginação que na execução, observa-se que a imaginação referente à simulação da ação foi considerada um método complementar de melhora de forca muscular, ganhando popularidade entre os atletas de alta performance⁵.
Princípio “use ou perca”
O isolamento total, por conta da ausência de estímulos, afeta a saúde do cérebro. A ONU chegou a abordar a relação entre as práticas de confinamento prolongado dos presídios e o aumento das taxas de adoecimento mental, deficiências cognitivas e tendências suicidas⁶. Em suma, segundo o princípio “use ou perca”, precisamos manter nossas habilidades mentais em exercício para que nossos mapas cerebrais se mantenham
preservados¹.
Para evitar prejuízos globais em sua cognição, Sharansky – preso político soviético- usou a técnica de jogar xadrez mentalmente, ou seja, sem tabuleiro, para sobreviver na prisão. Tal estratégia driblou os efeitos adversos que a privação sensorial poderia trazer para seu cérebro, evitando a deterioração cerebral, além de aumentar sua habilidade com o jogo¹.
A semelhança entre o agir e o pensar
Nas neurociências, ação e pensamento não são tão diferentes quanto parecem ser, já que as mesmas regiões são ativadas tanto na execução quanto na imaginação¹: uma cópia eferente do comando motor é estabelecida independente do exercício ser real ou imaginário².
Uma explicação para os ganhos da ação serem superiores à imaginação, apesar de ativarem mecanismos cerebrais semelhantes, é o fato de que na execução real há um feedback sensorial que sinaliza quais correções serão necessárias, enquanto a nível mental não há informativos complementares para ajustar o tempo e a coordenação dos membros, fazendo com que as mudanças sejam menores por não serem totalmente fidedignas com a realidade. Em outras palavras, os resultados das tarefas motoras são superiores devido a curva de aprendizado ser maior².
Em alguns estudos, a prática mental foi investigada pela tomografia por emissão de pósitrons (PET) e por estimulação magnética transcraniana (EMT). Os achados sinalizam que o exercício mental provoca mudanças físicas cerebrais relacionadas à neuroplasticidade, como a representação muscular cortical, conectividade e atividade sináptica. Sendo assim, o treinamento mental apresenta mudanças cerebrais semelhantes ao treinamento físico real⁷.
Aparelhos de tradução de pensamento
Dispositivos estão sendo desenvolvidos para que pessoas com paralisia sejam capazes de moverem objetos apenas com o pensamento¹. Estudos preliminares com animais obtiveram resultados satisfatórios utilizando uma interface cérebro-máquina: pesquisadores treinaram um rato a pressionar uma barra conectada a uma alavanca capaz de fornecer água, e mapearam os potenciais de ação produzidos pelos seus neurônios a partir da ação. Após o comportamento ser condicionado, os pesquisadores desconectaram a barra da alavanca. Inicialmente, o rato continuou apertando a barra mesmo que sem sucesso. Porém, implementando a interface cérebro-máquina, os pesquisadores identificaram que os neurônios do rato expressavam o mesmo padrão de disparo quando o rato apenas se imaginava pressionando a alavanca. Após várias horas, o rato percebeu que não precisava mais pressionar a barra, pois apenas imaginar tal
comando fazia com que a água voltasse a ser fornecida⁸.
Em um estudo recente, cientistas restauraram a comunicação do cérebro com a medula espinhal de um paciente com tetraplegia, a partir de uma interface cérebro-espinha. Resumidamente, as intenções motoras do sujeito foram mapeadas e posteriormente convertidas em comandos motores, a partir de um software personalizado, possibilitando-o a ficar de pé e andar naturalmente. Além disso, a interface cérebro-espinha promoveu melhoras neurológicas adicionais, como melhor controle dos músculos do quadril e o levantar da perna, o que permitiu que o sujeito andasse com muletas – até mesmo quando a interface cérebro-espinha estava desligada⁹.
Portanto, o cérebro possui capacidade de lidar com diferentes tarefas em diversos contextos⁷. Exercícios mentais se mostram fundamentais para a preservação dos mapas cerebrais, melhora na performance e na eficiência sináptica.
Como mencionado por Doidge (2019): “A ideia de que o cérebro se assemelha a um músculo que cresce com exercícios não é apenas uma metáfora”.
Referências e Leitura Complementar:
- Doidge, N. (2019). O Cérebro que se transforma: como a neurociência pode curar as pessoas (12º edição). Rio de Janeiro: Editora Record.
- Bernardi, N. F., De Buglio, M., Trimarchi, P. D., Chielli, A., & Bricolo, E. (2013). Mental practice promotes motor anticipation: evidence from skilled music performance. Frontiers in Human Neuroscience, 7, 451. ➞ Ler Artigo
- Dahm, S. F., & Rieger, M. (2023). Time course of learning sequence representations in action imagery practice. Human Movement Science, 87, 103050. ➞ Ler Artigo
- Yue, G., & Cole, K. J. (1992). Strength increases from the motor program: comparison of training with maximal voluntary and imagined muscle contractions. Journal of Neurophysiology, 67(5), 1114–1123. ➞ Ler Artigo
- Piveteau, E., Di Rienzo, F., Bolliet, O., & Guillot, A. (2023). Inter-task transfer of force gains is facilitated by motor imagery. Frontiers in Neuroscience, 17, 1228062. ➞ Ler Artigo
- UNIC Rio (2020). Prisão solitária prolongada equivale à tortura psicológica, diz especialista da ONU. UNIC Rio de Janeiro – Centro de informações das Nações Unidas no Brasil. ➞ Ler Artigo
- German, J. S., Cui, G., Xu, C., & Jacobs, R. A. (2023). Rapid runtime learning by curating small datasets of high-quality items obtained from memory. PLoS Computational Biology, 19(10), e1011445. ➞ Ler Artigo
- Chapin, J. K., Nicolelise, M.A. L.(2002). “Controlling robots with the mind.” Scientific American, 47-53. ➞ Ler Artigo
- Lorach, H., Galvez, A., Spagnolo, V., Martel, F., Karakas, S., Intering, N., Vat, M., Faivre, O., Harte, C., Komi, S., Ravier, J., Collin, T., Coquoz, L., Sakr, I., Baaklini, E., Hernandez-Charpak, S. D., Dumont, G., Buschman, R., Buse, N., Denison, T., … Courtine, G. (2023). Walking naturally after spinal cord injury using a brain-spine interface. Nature, 618(7963), 126–133. ➞ Ler Artigo