Você vê vermelho nessa imagem? Seu cérebro também. Mas a verdade é que… não há nenhum pixel vermelho aí.
A ilusão óptica da lata de Coca-Cola, que circula nas redes sociais e intriga até especialistas, é mais do que uma simples brincadeira visual — ela é uma janela poderosa para compreender como nosso cérebro interpreta o mundo. Neste artigo, vamos explorar a ciência por trás dessa ilusão, entender o papel da memória visual e discutir como as marcas exploram esses mecanismos para se fixarem na mente do consumidor.
O que você vê nem sempre é o que existe: a imagem que confunde o cérebro
A imagem (veja acima) apresenta o que parece ser uma lata de Coca-Cola vermelha com a identidade visual clássica da marca. No entanto, ao analisar pixel a pixel, descobre-se que não há nenhuma cor vermelha na imagem. A composição é feita com linhas verticais em tons de ciano, branco e preto. Ainda assim, a maioria das pessoas percebe a imagem como vermelha.
Essa ilusão foi criada pelo psicólogo japonês Dr. Akiyoshi Kitaoka, da Universidade Ritsumeikan, especialista em ilusões visuais e percepção visual. Mas por que o cérebro insiste em enxergar vermelho onde ele não existe?
Neuropsicologia da percepção: quando o cérebro “completa” a realidade
Essa imagem revela um aspecto fascinante do funcionamento cerebral: a percepção não é uma reprodução fiel da realidade, mas uma construção ativa baseada em experiências anteriores, expectativas e contexto.
Ao vermos a imagem da Coca-Cola, nosso cérebro não parte do zero. Ele recorre à memória associativa, onde estão armazenadas milhares de experiências com a marca — todas, ou quase todas, com o vermelho como cor predominante. Isso ativa o fenômeno conhecido como “top-down processing” (processamento de cima para baixo), no qual interpretações cognitivas prévias moldam aquilo que é percebido visualmente (Gregory, 1997).
Além disso, o cérebro busca constância perceptiva, um princípio estudado desde os trabalhos de Helmholtz e posteriormente aprofundado pelas neurociências cognitivas. Mesmo sob diferentes condições de luz, o cérebro tende a “corrigir” a percepção para que os objetos mantenham uma cor, forma ou tamanho consistentes. No caso da ilusão, o contraste entre o azul e os tons claros pode induzir a percepção de vermelho por meio da compensação cromática contextual (Delahunt & Brainard, 2004).
Cor e expectativa: o poder da memória visual
O impacto da ilusão também se apoia no efeito Stroop reverso, um fenômeno em que a palavra ou símbolo associado a uma cor interfere na percepção real da cor presente. Quando vemos o logotipo da Coca-Cola — mesmo com outras tonalidades — o cérebro “antecipa” o vermelho.
Esse tipo de inferência visual é possível graças ao papel do córtex visual associativo e do hipocampo, responsáveis por integrar estímulos visuais com memórias de longo prazo e reconhecimento de padrões. A identidade visual da Coca-Cola ativa esses circuitos, fazendo o cérebro preencher as lacunas com base no que ele espera encontrar.
Essa interação entre percepção e memória é amplamente documentada na literatura neurocientífica (Bar, 2004), e mostra como o que vemos é moldado por o que já vimos.
Branding, cor e neurociência: a Coca-Cola como caso exemplar
Poucas marcas no mundo têm uma identidade visual tão profundamente enraizada quanto a Coca-Cola. O vermelho, presente desde o fim do século XIX, tornou-se um marcador semiótico da marca. A própria Coca-Cola define seu tom de vermelho como “nossa segunda fórmula secreta”.
Estudos em neuromarketing mostram que as cores são decisivas para a reconhecimento de marca e evocação emocional. Segundo uma revisão publicada no Journal of Business Research (Labrecque & Milne, 2013), a cor vermelha está associada a emoções como excitação, energia, paixão e urgência — todas muito alinhadas ao posicionamento da Coca-Cola.
Com isso, a marca não apenas comunica visualmente, mas molda a maneira como o cérebro espera perceber seus produtos.
O que essa ilusão nos ensina sobre a construção de marcas?
Essa ilusão é uma aula visual de branding neuropsicológico. Veja algumas lições importantes:
- A força da repetição e consistência
Quanto mais vezes o cérebro associa uma cor, forma ou símbolo a uma marca, mais automático se torna o reconhecimento e a antecipação perceptiva. - O cérebro preenche lacunas com base na memória
Em vez de processar cada detalhe, ele usa atalhos cognitivos, inferindo com base em experiências anteriores. Marcas que constroem um imaginário forte se beneficiam disso. - A cor é uma linguagem emocional e simbólica
Usada estrategicamente, ela não apenas identifica uma marca, mas evoca sensações e ativa circuitos afetivos no cérebro. - A percepção é uma construção, não um reflexo
Isso abre margem para ilusões, mas também para oportunidades — especialmente em design, marketing e storytelling visual.
Conclusão
A ilusão óptica da Coca-Cola não é apenas curiosa; ela revela como o cérebro interpreta a realidade por meio de filtros cognitivos, afetivos e culturais. Mesmo na ausência de estímulos visuais objetivos (como a cor vermelha), o cérebro preenche a imagem com base em sua biblioteca interna de experiências. Em outras palavras, não vemos o que está lá — vemos o que esperamos ver.
Essa compreensão é valiosa não apenas para neurocientistas e psicólogos, mas também para designers, publicitários e estrategistas de marca. Entender como a mente constrói a realidade é uma chave poderosa para influenciar percepções, comportamentos e decisões.
Referências científicas
- Bar, M. (2004). Visual objects in context. Nature Reviews Neuroscience, 5(8), 617–629. https://doi.org/10.1038/nrn1476
- Delahunt, P. B., & Brainard, D. H. (2004). Color constancy under changes in reflected spectra. Journal of Vision, 4(9), 57–57. https://doi.org/10.1167/4.9.57
- Gregory, R. L. (1997). Knowledge in perception and illusion. Philosophical Transactions of the Royal Society B, 352(1358), 1121–1127. https://doi.org/10.1098/rstb.1997.0095
- Labrecque, L. I., & Milne, G. R. (2013). To be or not to be different: Exploration of norms and benefits of color differentiation in the marketplace. Journal of Business Research, 66(3), 399–406. https://doi.org/10.1016/j.jbusres.2011.12.007