A exposição como treinamento de extinção ao medo começou a ser estudada nas terapias comportamentais, desde o início dos estudos behavioristas e sob influência das teorias da aprendizagem em psicologia¹.
Tratamentos comportamentais que se baseiam na exposição se mostram eficazes nos casos de transtornos de ansiedade². Na exposição, o sujeito é repetidamente exposto em períodos longos a um objeto ou a uma situação temida, a fim de reduzir sua expectativa futura de dano¹. A técnica tem como objetivo fornecer um teste de realidade, a partir de uma constatação de que as consequências catastróficas e aversivas não são reais, mas sim imaginárias. Assim, o sujeito também aumenta seu senso de auto-eficácia, pois consegue enfrentar e, consequentemente, enfraquecer seus medos³.
Considerando que a aprendizagem desadaptativa é o que sustenta o medo, as intervenções psicoterapêuticas baseadas na exposição podem ser compreendidas como um caminho para a aprendizagem comportamental adaptativa⁴,⁵. O termo “aprendizagem da extinção” é utilizado para se referir a inibição do medo condicionado a partir da exposição. Embora não haja perda do aprendizado, a criação de uma nova aprendizagem mais realista se sobrepõe à anterior, disfuncional ao medo¹,².
Funções evolutivas do medo
O medo é considerado uma emoção básica (diferente da ansiedade) por ocorrer em todos os seres humanos e em qualquer cultura. As emoções básicas atendem funções evolutivamente úteis para lidarmos com tarefas da vida de forma rápida e adaptativa. A “teoria da preparação” de Seligman (1971) afirma que os seres humanos são preparados biologicamente para terem medo de certos objetos ou situações que tendiam a ameaçar a sobrevivência da nossa espécie¹.
A função básica do medo é garantir a preservação da vida e da integridade humana a partir da antecipação do dano físico ou psicológico que uma situação aversiva pode causar. Porém, o medo pode se tornar patológico quando não há uma avaliação realista sobre o que pode ou não ser perigoso⁶. Estudos evidenciam que muitos dos transtornos mentais apresentam como sintoma a incapacidade de regular emoções negativas – como o medo³.
Regiões cerebrais envolvidas
Os núcleos central e lateral da amígdala apresentam participação no processo do medo, em que o núcleo central se conecta com áreas responsáveis por controlar as reações emocionais, enquanto o lateral recebe informações do tálamo visando uma reação rápida ao perigo. Projeções do tálamo sensorial para a amígdala lateral fornecem uma representação grosseira do estímulo, suscitando respostas mais rápidas e menos elaboradas diante de uma situação aversiva, visto que do ponto de vista evolutivo, é melhor reagir ao perigo em potencial que colocar a vida em risco³.
Já no processo de extinção do medo, há interação entre as áreas corticais e subcorticais, como a comunicação entre o córtex pré-frontal e a amígdala. Tal comunicação pode ser modulada pela aprendizagem referente ao contexto, fornecida pelo hipocampo³. Resultados também evidenciam que a potencialização sináptica de longo prazo (LTP) na amígdala lateral pode ser aumentada pela D-cicloserina – agonista do receptor NMDA – atuando na melhora da extinção do medo quando combinada com psicoterapia⁴.
Extinção do medo
A terapia de exposição tem como objetivo reduzir, de forma gradativa, estímulos que evocam medo⁴. Apesar dos mecanismos envolvidos na terapia da exposição não serem claros, estudos concluem que a exposição repetida altera a expectativa do sujeito a danos¹. Alex Honnold, 35 anos, é pioneiro da escalada sem cordas de segurança (solo livre) em que a falha resultaria na sua morte. O escalador esportivo relata que passou 25 anos da sua vida treinando e se condicionando para trabalhar em condições extremas, o que tornou seu cérebro diferente dos demais – a ressonância magnética mostrou que sua amígdala responde menos aos estímulos de medo. Honnold compara sua plasticidade cerebral ao cérebro de um monge que passou anos meditando e a de um motorista que memorizou todos os nomes das ruas de uma cidade. No caso de Alex Honnold, houve a extinção do medo através da exposição prolongada e repetida a situação que a priori era temida: escalar penhascos sem cordas de segurança⁷.
Neurointensificadores cognitivos
Estudos sugerem a administração de neurointensificadores para aprimorar os ganhos obtidos a partir da técnica de exposição, tais como:²
D-cicloserina: agonista parcial do receptor NMDA. A D-cicloserina tem participação na consolidação de novos aprendizados durante a extinção, agindo nos receptores presentes na amígdala. Apesar desse agente não apresentar efeitos ansiolíticos, atua na melhora do aprendizado da extinção e aumenta a eficácia da exposição. Foram realizados estudos com pacientes com fobia de altura, transtorno de ansiedade social e transtorno de pânico e, em todos os estudos, os pacientes que receberam D-cicloserina comparados ao plecebo obtiveram maiores reduções nos sintomas. Segundo pesquisadores, deve-se considerar o momento de administração desse agente, que deve ser combinado com o tempo de aprendizagem da extinção devido ao seu mecanismo de aumentar o aprendizado de qualquer experiência. Portanto, aplicações sem treinamento, exposições muito breves e redução inadequada nos níveis de medo podem comprometer os resultados: o fármaco poderia aumentar a memória do medo, suscitando em efeitos contra-indicados.
Cloridato de Ioimbina: antagonista competitivo seletivo do receptor alfa2-adrenérgico. A Ioimbina aumenta a quantidade de norepinefrina extracelular, fator que pode estar relacionado com melhor aprendizado da extinção a partir das terapias de exposição. Foram realizados testes com sujeitos claustrofóbicos, nos quais os que receberam o fármaco obtiveram reduções de sintomas maiores quando comparados aos que receberam placebo. Porém, ainda há escassez de estudos sobre o cloridato de Ioimbina como um aliado à aprendizagem da extinção.
Cortisol: O estresse ativa o eixo HPA, fazendo com que o córtex adrenal libere glicocorticoides, dentre eles o cortisol. Além disso, o cortisol participa do ciclo circadiano: níveis altos de cortisol são liberados durante as primeiras horas da manhã, enquanto um nível baixo é liberado durante a noite. Apesar de elevações crônicas nos níveis de cortisol prejudicarem a memória, aumentos de curto prazo, como ocorrem todas as manhãs, parecem aumentar o aprendizado da extinção. Por conta disso, um estudo sobre fobias de aranha observou que as exposições no início da manhã eram mais eficazes que as exposições realizadas durante a noite, dado que corrobora com a teoria referente a participação do cortisol na extinção do medo.
Foram também realizados estudos randomizados com placebo e cortisol para fobia de altura, transtorno de pânico e transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Como resultado, os estudos sinalizaram que cortisol parece intensificar os ganhos da terapia de exposição, aumentando a possibilidade dos sujeitos reterem a memória adquirida pela experiência das exposições bem-sucedidas. Em contrapartida, pesquisas mostram que ansiolíticos interrompem o fluxo de glicocorticoides, interferindo assim na aprendizagem da extinção. Esse mecanismo de anulação do cortisol pode explicar o motivo da combinação entre a exposição e medicamentos ansiolíticos não ser eficaz. Mais pesquisas precisam ser realizadas para testar essa teoria.
Catecolaminas (dopamina, epinefrina e norepinefrina): secretadas pelas glândulas supra renais como uma reação ao estresse. Em um estudo, concentrações elevadas de dopamina foram encontradas no córtex pré-frontal dorsolateral atuando na memória representacional de trabalho. Porém, mais estudos sobre as catecolaminas e a aprendizagem da extinção precisam ser realizados para achados mais sólidos.
Oxitocina: neuropeptídeo que atua na cognição social e no comportamento, fundamental para a manutenção dos relacionamentos interpessoais. Pesquisam apontam que altas concentrações de oxitocina plasmática estão relacionadas ao aumento de confiança e diminuição dos sintomas ansiosos e deprimidos. Em pesquisas experimentais, a oxitocina administrada via intranasal está associada a melhora dos reconhecimentos das emoções e da memória social. Além disso, pesquisam indicam que a oxitocina pode aumentar a eficácia do tratamento em casos de ansiedade social, diminuindo a ativação da amígdala e do córtex pré-frontal dorsolateral.
Modafinil: psicoestimulante para tratar sonolência extrema. Atua melhorando a memória de trabalho, reconhecimento da memória e atenção, além de atuar no controle cognitivo, melhorando o funcionamento executivo. Apesar de poucos efeitos colaterais, está associado com aumento dos sintomas ansiosos em populações saudáveis. Portanto, sua eficácia como neurointensificador ainda é incerta.
Evidências parciais apontam que ioimbina, cortisol, catecolaminas e oxitocina como estimuladores neurológicos. No entanto, mais pesquisas devem ser realizadas a fim de compreender a relação entre os neurointensificadores e o aprimoramento da aprendizagem de extinção. A administração de modafinil e nutrientres (cafeína e Ômega-3) como aliados no processo de extinção apresentam ainda menos evidências². Em uma revisão sistemática mais recente, a estratégia melhor reportada pela literatura para a extinção do medo é a administração da D-cicloserina⁴.
Embora haja grandes evidências dos efeitos da psicoterapia nas funções e nas estruturas cerebrais, descobertas neurocientíficas referentes aos recursos para o aprimoramento das intervenções cognitivo-comportamentais ainda se mostram escassas. Sendo assim, maiores pesquisas de investigação são necessárias para a compreensão mais sistemática do funcionamento humano⁴.
Referências e Leitura Complementar:
- Hofmann, S. G. (2008). Cognitive processes during fear acquisition and extinction in animals and humans: implications for exposure therapy of anxiety disorders. Clinical Psychology Review, 28(2), 199–210. ➞ Ler Artigo
- Hofmann, S. G., Mundy, E. A., & Curtiss, J. (2015). Neuroenhancement of Exposure Therapy in Anxiety Disorders. AIMS Neuroscience, 2(3), 123–138. ➞ Ler Artigo
- Porto, P., Oliveira, L., Volchan, E., Mari, J., Figueira, I., & Ventura, P. (2008). Evidências científicas das neurociências para a terapia cognitivo-comportamental. Paidéia (Ribeirão Preto), 18(41), 485–494. ➞ Ler Artigo
- Hertenstein, E., Trinca, E., Schneider, C. L., Wunderlin, M., Fehér, K., Riemann, D., & Nissen, C. (2021). Augmentation of Psychotherapy with Neurobiological Methods: Current State and Future Directions. Neuropsychobiology, 80(6), 437–453. ➞ Ler Artigo
- Hofmann, S. G. (2007). Enhancing exposure-based therapy from a translational research perspective. Behaviour Research and Therapy, 45(9), 1987–2001. ➞ Ler Artigo
- Caminha, R. M. (2019). Darwin para terapeutas. Novo Hamburgo: Synopsys.
- Harrell, E. (2021). Life’s Work: An Interview with Alex Honnold. Harvard Business Review. ➞ Ler Artigo
Gostei muito do artigo. Lidar com emoções básicas de valência negativa é essencial para o crescimento pessoal. Achei particularmente interessante que a D-cicloserina isolada, sem a presença da intervenção (treinamento, terapia) pode acabar aumentando o medo que ela tinha como missão controlar.