Os hábitos são comportamentos automáticos que reproduzimos sem pensar. Mesmo os mais simples podem ser benéficos, como escovar os dentes, ou potencialmente prejudiciais, como roer as unhas. Mas afinal, quanto tempo levamos para formar um hábito? Há tempos os neurocientistas vêm estudando o hábito e já identificaram vários fatores que o influenciam, além de estratégias para acelerar (ou desacelerar) esse tipo peculiar de aprendizagem comportamental. Neste artigo, exploraremos especificamente como eles se formam no cérebro e o tempo que a neurociência diz ser necessário para incorporá-los de vez em nossas redes neurais.
O que é um hábito? Qual a sua importância?
Apesar de mencionarmos com frequência a palavra hábito, muitos não têm noção sobre o seu significado do ponto de vista neurobiológico. Aliás, você saberia dizer o que vem a ser o oposto de um hábito? Que tipo de comportamento não se enquadraria no habitual?
Para se comportarem de forma flexível num determinado ambiente, os organismos precisam escolher as suas ações com base nas consequências dessas ações. Esse tipo de comportamento é chamado de comportamento direcionado a objetivos. À medida que repetimos a mesma ação numa determinada situação, a ação passa a ser provocada pela situação e não pelas suas consequências. Esse tipo de comportamento é chamado de hábito.
O comportamento direcionado a objetivos requer altos recursos computacionais porque os organismos devem processar as informações sobre seu ambiente externo e como suas ações o afetam. Em contrapartida, o hábito representa um comportamento mais estereotipado e menos flexível, exigindo menos computação neural. Nesse sentido, a formação de hábitos pode ser entendida como um processo de otimização do consumo energético cerebral e, por extensão, do organismo como um todo.
Algumas teorias pressupõem a formação de hábitos como uma perda de controle pela consequência da resposta ou da sensibilidade à recompensa.
O processo de criação de um hábito no cérebro
De acordo com as pesquisas publicadas no best-seller de Charles Duhigg, The Power of Habit (O Poder do Hábito), a formação de um hábito envolve três eventos principais: deixa, rotina e recompensa. A deixa é o gatilho que desencadeia o comportamento automático, como o toque do despertador pela manhã. É o estímulo ambiental que dispara a sequência de comportamentos. Em seguida, vem a rotina, que é o próprio hábito em si, como levantar da cama e ir escovar os dentes. Em outras palavras, é o próprio comportamento repetido. Por fim, temos a recompensa (e, alguns casos, a evitação da punição), que é o resultado obtido e que associamos ao comportamento para engajá-lo, como a sensação de frescor na boca após escovar os dentes.
Quando vivenciamos esse ciclo repetidamente, deixa, rotina e recompensa, o cérebro cria conexões neurais que fortalecem o comportamento em questão.
Após repetir o comportamento um certo número de vezes e o desfecho se tornar mais previsível, o cérebro deixa de avaliar a recompensa sempre que o estímulo surge à sua frente. Ou seja, “pulamos” a etapa cognitiva da avaliação e o comportamento passa a ser deflagrado de forma cada vez mais inconsciente, sem o escrutínio atencional das áreas pré-frontais.
De início, as redes corticostriatais límbicas e associativas estão mais envolvidas. Num segundo momento, o estriado dorsolateral (dorsolateral striatum) se destaca na transição do comportamento direcionado a objetivos para os hábitos. Evidências científicas mostram que a atividade do estriado dorsolateral se intensifica na medida em que as ações se transformam em hábitos. De forma congruente, outras evidências apontaram que a lesão do estriado dorsolateral “regride” os hábitos para comportamentos direcionados a objetivos.
A dopamina é o principal neurotransmissor envolvido no processo de habituação, a partir das conexões nigroestriatais, em especial sua atuação no estriado dorsolateral. Outras estruturas associadas ao hábito e já documentadas pelos neurocientistas são o córtex infralímbico e o núcleo central da amígdala.
Fatores que influenciam a formação de hábitos
Diversos fatores podem influenciar a formação de hábitos. A intensidade emocional durante a rotina pode acelerar o processo, assim como a frequência com que a rotina é repetida. Além disso, a consistência é fundamental para a formação de um hábito sólido. Quanto mais consistente somos na execução do hábito, mais rápido ele se fortalece no cérebro. Outro fator importante é a motivação.
O tempo necessário para formar um hábito
Em um dos primeiros relatos cientificamente publicados, Ronis, Yates e Kirscht argumentaram em 1988 que um comportamento passa a ser habitual uma vez que tenha sido realizado com certa frequência (pelo menos duas vezes por mês) e de forma extensiva (pelo menos 10 vezes).
Duvidando da aleatoriedade dessas alegações e tentando definir de forma mais experimental o tempo necessário para ser formar um hábito, um famoso estudo realizado por pesquisadores da University College London em 2009 descobriu que esse tempo médio pode variar de 18 a 254 dias, com uma média de 66 dias. Os dados publicados no European Journal of Social Psychology foram coletados a partir do autorrelato de 96 participantes que escolheram praticar diariamente atividades cotidianas como comer e beber.
Apesar das limitações, o estudo mostrou que é provável que um comportamento repetido demore mais tempo do que se supunha para atingir seu nível máximo de automaticidade. Assim, intervenções visando criar hábitos precisam fornecer um apoio contínuo para ajudar os indivíduos a desempenhar um comportamento por tempo suficiente para que ele passe a ser executado com o automatismo desejado.
Não existe um número mágico
Um estudo bem recente realizado por cientistas sociais da Caltech avaliou dois hábitos interessantes mas bem diferentes do pondo de vista do esforço cognitivo despendido: quanto tempo era necessário para formar o hábito de ir à academia e quanto tempo levava para profissionais de saúde adquirirem o hábito de lavar as mãos.
O estudo intitulado “What can machine learning teach us about habit formation? Evidence from exercise and hygiene” foi o primeiro a usar ferramentas de machine learning para estudar de forma mais robusta o processo de habituação. Os pesquisadores empregaram a técnica de aprendizagem de máquina para analisar grandes conjuntos de dados relativos a dezenas de milhares de pessoas que usavam seus crachás para entrar na academia ou lavavam as mãos durante os turnos do hospital. Foram avaliados mais de 30 mil frequentadores de academias que se exercitaram cerca de 12 milhões de vezes ao longo de quatro anos e mais de 3 mil funcionários de hospitais que coletivamente lavaram as mãos 40 milhões de vezes em quase 100 turnos.
Os resultados? Em relação à academia, foram necessários 6 meses em média para criar esse hábito potencialmente saudável. Em relação ao tempo para introduzir o hábito de lavar as mãos, relativamente bem menos, algumas semanas em média.
A verdade estabelecida por hora é que não existe um número mágico para a formação de hábitos. Desde que o cirurgião plástico Maxwell Maltz escreveu em seu livro Psycho-Cybernetics, publicado em 1960, muitos adotaram e continuam a pregar o número idealizado de 21 dias para que um hábito seja formado. O factoide rapidamente se difundiu nos debates populares e também entre acadêmicos. Mas para o desapontamento de muitos, essa estimativa não foi baseada em nenhuma ciência e segue sem respaldo científico.
A partir deste último artigo publicado em 2023, duas conclusões saltam aos olhos: (1) o machine learning tem se revelado uma ferramenta poderosa para estudar os hábitos humanos fora do contexto laboratorial, sendo capaz de reunir um grande volume de dados e produzir análises mais confiáveis, e (2) fica cada vez mais evidente que o tempo para formar hábitos difere de acordo com a pessoa, de acordo com o comportamento em questão e uma variedade de outros fatores.
Referências e Leitura Complementar:
- Yamada, K., & Toda, K. (2023). Habit formation viewed as structural change in the behavioral network. Communications Biology, 6(1), 303. ➞ Ler Artigo
- Amaya, K. A., & Smith, K. S. (2018). Neurobiology of habit formation. Current Opinion in Behavioral Sciences, 20, 145-152. ➞ Ler Artigo
- Smith, K. S., & Graybiel, A. M. (2016). Habit formation. Dialogues in Clinical Neuroscience, 18(1), 33-43. ➞ Ler Artigo
- Carden, L., & Wood, W. (2018). Habit formation and change. Current Opinion in Behavioral Sciences, 20, 117-122. ➞ Ler Artigo
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- Duhigg, C. (2012). The power of habit: Why we do what we do in life and business (Vol. 34, No. 10). Random House. ➞ Ver Livro
- Buyalskaya, A., Ho, H., Milkman, K. L., Li, X., Duckworth, A. L., & Camerer, C. (2023). What can machine learning teach us about habit formation? Evidence from exercise and hygiene. Proceedings of the National Academy of Sciences, 120(17), e2216115120. ➞ Ler Artigo