A percepção do tempo é uma questão complexa e intrigante. É comum ouvirmos afirmações de que o tempo parece estar passando mais rápido. Todo mundo já ouviu ou até enunciou algo como ‘parece que o tempo está voando!’ ou ‘nem vi o tempo passar…’ Mas a verdadeira natureza da percepção temporal ainda é objeto de estudo e debate entre cientistas e filósofos.
Albert Einstein, por exemplo, o físico-teórico mais famoso da história, propôs que o tempo é uma dimensão, assim como o espaço, e que as leis da física descrevem justamente as relações dos eventos no tempo e no espaço. Einstein também enunciou a Teoria da Relatividade, argumentando que a percepção do tempo pode ser influenciada pelo movimento relativo e pela gravidade.
Já o filósofo alemão Immanuel Kant atribuiu ao cérebro a noção do tempo, sendo uma construção dele, sem existência independente da percepção humana. De acordo com Kant, a percepção do tempo é inerente à percepção do mundo, e a capacidade de conceber o tempo é uma condição necessária para assimilar a realidade.
Outro exemplo ilustre e contemporâneo, o neurocientista David Eagleman, da Universidade de Stanford nos EUA, é conhecido por suas pesquisas sobre a percepção do tempo e suas implicações. Ele também o assume como uma construção do cérebro e não uma propriedade objetiva da realidade. Juntamente à sua equipe de pesquisadores, publicou pesquisas relevantes sobre o tempo subjetivo, sugerindo que a percepção da duração do tempo é influenciada por fatores como idade, atenção e emoção.
A questão é complexa e multidisciplinar, envolvendo contribuições da física, filosofia, neurociência e psicologia, entre outras áreas. Os figurões acima ilustram só uma pequena fatia do rol de pesquisadores e teóricos que contribuíram e têm contribuído para a compreensão do fenômeno da passagem do tempo.
Neste artigo, além das concepções gerais acerca do tempo, investigaremos se de fato ocorre uma aceleração na percepção do tempo conforme envelhecemos.
O conceito de tempo
Antes de prosseguir, precisamos diferenciar dois “tipos de tempo”. O chamado tempo objetivo, definido como o tempo do relógio, é aquele compartilhado por todos; já o tempo subjetivo é baseado no ritmo de cada cérebro. No entanto, é difícil separar a realidade objetiva do tempo da nossa percepção subjetiva e humana dele. Dessa maneira, já podemos antever que a percepção particular do tempo é uma questão sem resposta absoluta.
De forma simples e objetiva, o tempo pode ser definido como o período que separa dois pontos utilizados como base para classificar um evento. Pode ser medido em segundos, minutos, dias, horas, meses, anos, décadas etc. Em termos práticos, o tempo passa de forma objetiva e sua compressão está vinculada a referenciais, ou seja, um minuto é sempre um minuto.
O mundo, todavia, é o que percebemos dele, e certamente nosso cérebro percebe alguns minutos muito mais longos do que outros. Isso ocorre porque nossa percepção desse tempo é relativa e, portanto, não varia só de espécie para espécie, mas também entre indivíduos. Será que existe uma razão evolutiva pela qual alguns dias parecem durar uma eternidade, enquanto outros momentos se mostram mais curtos?
Teorias sobre a percepção da passagem do tempo
- Teoria do Processamento de Informação. De acordo com esta teoria, a percepção do tempo depende da quantidade de informação processada pelo cérebro durante um determinado evento. Quanto mais informações são processadas, mais longo o evento parece durar.
- Teoria do Relógio Interno. Esta teoria propõe que o cérebro possui um relógio interno, que mede a duração dos eventos e compara com a duração esperada. Quando a duração real é menor que a esperada, o evento parecerá ter durado menos tempo.
- Teoria da Emoção. Segundo esta teoria, a emoção desempenha um papel importante na percepção do tempo. Eventos emocionantes tendem a ser lembrados como mais duradouros do que eventos monótonos ou sem emoção. Além disso, a excitação emocional pode levar a uma percepção acelerada do tempo, como quando estamos ansiosos ou apavorados.
Você verá que tais teorias acabam sendo mescladas para que sejam formuladas explicações mais robustas sobre o fenômeno da passagem do tempo.
Para a psicóloga Cláudia Hammond, autora do livro Time Warped: Unlocking the Mysteries of Time Perception, o sistema cerebral de registro da passagem do tempo considera vários fatores, como emoções, expectativas, o grau de exigência das tarefas em determinado período e até mesmo os sentidos. Mais interessante ainda é a sua proposta de que o entendimento de como a mente percebe o tempo nos tornaria capazes de manipular o mesmo.
A psicóloga explica ainda que o motivo pelo qual alguns momentos da vida parecem particularmente mais longos que outros é que, durante esses momentos, provavelmente, o indivíduo foi exposto à muitas experiências novas. Seu cérebro, por sua vez, percebe os eventuais episódios como sendo mais duradouros.
É por isso que à medida que envelhecemos, temos a impressão de que o tempo passa mais rápido. O mundo que percebemos é fruto de como nossos sentidos interpretam esse mundo. Quando a informação recebida pelo cérebro é familiar, seu processamento ocorre muito rapidamente. Por outro lado, informações e estímulos novos são mais lentamente processados e geram a sensação de tempo alongado. Quando recebemos um fluxo muito grande de informações novas, o cérebro demora um tempo para processá-las. Quando mais tempo ele demorar, mais longo o tempo nos parecerá.
O relógio interno (cerebral) do tempo
Vamos esmiuçar um pouco mais a fundo a Teoria do Relógio Interno e citar ao final desse capítulo as bases neurobiológicas mais recentes sobre a percepção do tempo.
Como vimos anteriormente, a Teoria do Relógio Interno é uma teoria neurocientífica que propõe que o cérebro possui um relógio interno que mede a duração dos eventos. De acordo com esta teoria, o cérebro mantém uma representação interna do tempo, que é comparada com a duração real dos eventos. Quando a duração real é diferente da esperada, o cérebro ajusta sua percepção da duração do evento.
Isso explica por que eventos emocionantes ou interessantes tendem a ser lembrados como tendo durado mais tempo do que eventos monótonos ou sem emoção. O cérebro espera que eventos emocionantes durem mais, e, quando a duração real é menor que a esperada, a percepção é de que o evento durou menos tempo.
Além disso, a Teoria do Relógio Interno sugere que a percepção do tempo pode ser influenciada por fatores como a atenção e a memória. Por exemplo, eventos que recebem mais atenção tendem a ser lembrados como tendo durado mais tempo, independentemente de sua duração real.
Do ponto de vista neurobiológico, os cientistas acreditam que o ser humano é capaz de processar a duração do tempo como resultado de funções adaptativas envolvendo regiões neurais, que são arranjadas de acordo com a duração do estímulo recebido. Logo, a percepção do tempo depende da interação entre as estruturas corticais ligadas a esse chamado Relógio Interno e as áreas envolvidas com uma tarefa específica.
O córtex frontal tem sido amplamente associado ao processamento de informações temporais na memória de curto e de longo prazo. Especificamente, o papel do córtex pré-frontal em termos de estimativa individual de um determinado período de tempo está relacionado ao armazenamento e recuperação da memória. Outras regiões que merecem destaque na neurofisiologia da percepção temporal são os núcleos da base, hipocampo, cerebelo e também o córtex parietal.
Atenção, rotina e o manejo do tempo
É por isso que momentos preenchidos com rotina parecem “passar voando”, enquanto momentos de estresse ou de emoção intensa não. O pé que pisa no freio do tempo tem um nome: atenção. À medida que os anos avançam, a tendência é fazermos menos coisas novas. Infância e adolescência parecem durar muito mais. Segundo teorias psicológicas recentes, a grande responsável pela aceleração de nossas vidas, desse modo, é a rotina. Mas é importante ressaltar que existem outros fatores relacionados à passagem mais rápida do tempo com o envelhecimento. Durante este processo, o indivíduo encontra-se sujeito à mudanças na produção de substâncias neurotransmissoras que controlam o relógio interno e o metabolismo, o que também pode resultar na percepção de que o tempo passa mais rápido.
Aprender mais para vivenciar melhor os momentos?
Cláudia Hammond e outros cientistas estudiosos do tema, como o neurologista americano David Eagleman, propõem que é possível manipular o tempo e fazê-lo passar mais lentamente. Para isso, é necessário criar novos registros no cérebro, memórias mais ricas.
As atividades não precisam ser necessariamente coisas novas. Olhar diferente para aquilo que já se está adaptado a fazer também pode gerar o mesmo efeito. É fundamental, dessa forma, buscar mais detalhes e “forçar” o cérebro a deixar a sua zona de conforto. As novas memórias distorcem a percepção do tempo. Outras atividades como a meditação podem auxiliar, visto que obrigam o cérebro a observar sensações corriqueiras com mais atenção. É necessário, portanto, sair da rotina e dar ao cérebro um fluxo constante de informações novas. Conhecer novos lugares, novas pessoas, ser espontâneo e envolver-se em novos aprendizados.
O que o futuro nos reserva
Com o avanço da tecnologia e da neurociência, é provável que tenhamos muito em breve novos entendimentos sobre a percepção do tempo. A neurociência, por exemplo, continua desvendando novos detalhes sobre os mecanismos cerebrais que contribuem para a percepção do tempo, e a tecnologia está permitindo novos tipos de experimentos e avanços nesse sentido.
É bem possível que vejamos esses avanços aplicados no desenvolvimento de tecnologias para aprimorar a memória, aumentar a concentração e até mesmo tratar condições neurológicas direta ou indiretamente relacionadas ao tempo, como o transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e a esquizofrenia.
Além disso, uma maior compreensão sobre a percepção temporal terá implicações em questões filosóficas e sociais. Temas como viagem no tempo e a fórmula da eterna juventude sempre permearam o anseio popular. Todos gostaríamos de controlar o tempo ou, no mínimo, aproveitá-lo ao máximo. O futuro continuará incerto, mas o manejo do tempo ampliará nossos horizontes como espécie cerebral e em constante evolução sensoperceptiva.
Referências e Leitura Complementar:
- Craik, F. I., & Hay, J. F. (1999). Aging and judgments of duration: Effects of task complexity and method of estimation. Perception & Psychophysics, 61(3), 549-560. ➞ Ler Artigo
- Fontes, R., Ribeiro, J., Gupta, D. S., Machado, D., Lopes-Júnior, F., Magalhães, F., … & Teixeira, S. (2016). Time perception mechanisms at central nervous system. Neurology International, 8(1), 5939. ➞ Ler Artigo