Fobia social, medo das pessoas, preferência pelo isolamento… e quando as interações sociais causam uma ansiedade irracional? Este artigo é sobre o transtorno de ansiedade social, também conhecido como fobia social, as causas, os tratamentos e algumas explicações sobre o que acontece no cérebro das pessoas com esse tipo de disfunção neuropsiquiátrica.
Por sermos seres altamente sociáveis, é natural que sintamos certo desconforto em exposições em público, principalmente sob circunstâncias de avaliação. No entanto, quando a ansiedade nas interações interpessoais é excessiva, a ponto de gerar impacto negativo na vida da pessoa, podemos estar diante de um quadro de Transtorno de Ansiedade Social (TAS)¹.
O transtorno de ansiedade social é considerado um transtorno de alta prevalência (12,1%) e baixa taxa de remissão espontânea². No Brasil, um estudo estimou prevalência de 11,6% em jovens universitários. Porém, a maioria não busca ajuda profissional por acreditar que se trata de um traço de personalidade (introversão), ao invés de questões de habilidades sociais³.
Sintomas da fobia social
Como o próprio nome sugere, sujeitos com o transtorno de ansiedade social apresentam altos níveis de medo social, vinculados as suas crenças distorcidas sobre o próprio eu². O principal sintoma descrito na literatura é o medo de ser julgado negativamente em público³. Por conta disso, sujeitos com TAS apresentam prejuízos significativos no âmbito social, educacional e em atividades laborais².
Crenças distorcidas
Estudiosos na área sugerem que a ansiedade social está associada com a superestimação do fracasso social, ou seja, o indivíduo teme uma ameaça de forma desproporcional aos perigos reais da situação. A avaliação social distorcida leva a evitação, que até diminui o desconforto no curto prazo, mas que acaba mantendo o medo e a dificuldade nas interações interpessoais – sendo, portanto, a evitação um comportamento disfuncional⁴.
Uma intervenção chave utilizada na Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) é a reestruturação cognitiva, que se baseia na reavaliação da situação de uma forma mais realista e adaptativa, a partir do questionamento das crenças distorcidas. Estudos de neuroimagem indicaram maior recrutamento de áreas associadas ao controle cognitivo e atenção após a reestruturação em sujeitos com TAS, além de diminuição nas áreas envolvidas no processamento emocional, especialmente a amígdala².
Sujeitos com TAS apresentam hipervigilância e comportamento evitativo, especialmente em resposta às emoções aversivas.
Técnicas de rastreamento ocular
Na avaliação dos movimentos oculares, participantes evitaram o contato com os olhos em caso de expressão de emoções desagradáveis (como por exemplo, a raiva). Grande parte dos estudos indicam que pacientes com TAS apresentam viés atencional à expressão das emoções aversivas, reconhecendo-as com maior facilidade³.
Tratamento da ansiedade social
Os inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS) e a Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) são tratamentos utilizados para o transtorno de ansiedade social⁵,⁶. Ou seja, tratamentos farmacológicos e não farmacológicos têm sido empregados com sucesso no controle da ansiedade social.
Em um estudo, 24 sujeitos com TAS foram divididos de forma randomizada: um grupo teve o tratamento combinado com escitalopram (um ISRS) e TCC, enquanto o outro recebeu tratamento com TCC e placebo, em condições duplo cegas. A partir dos resultados, observaram que ambos os grupos apresentaram melhora significativa da ansiedade social, medida pela Escala de Ansiedade Social de Liebowitz (LSAS), após nove semanas de tratamento⁵.
Ansiedade social e descobertas neurocientíficas
Neurotransmissores envolvidos no transtorno de ansiedade social
Estudos sugerem que neurônios serotoninérgicos modulam a ação dopaminérgica e noradrenérgica no córtex frontal⁷, em que os sistemas serotoninérgico e dopaminérgico estão implicados nos quadros de ansiedade social. Estudos de neuroimagem indicaram, em pacientes com TAS, menor ligação ao receptor serotoninérgico 5HT1A nas regiões límbicas e paralímbicas, evidenciando um possível papel dos receptores serotoninérgicos na neurobiologia do transtorno⁸.
Outras evidências indicam que os transtornos de ansiedade estão relacionados com a hipoatividade das vias serotoninérgicas, além do papel secundário da ativação das vias noradrenérgicas nos sintomas físicos (taquicardia e tremor) e cognitivos (pensamentos catastróficos)⁶.
Pesquisadores identificaram que a elevação nos níveis de serotonina e dopamina no putâmen e no tálamo associou-se com a gravidade dos sintomas dos sujeitos com TAS⁵.
Já estudos de imagem molecular indicaram que o tratamento medicamentoso com ISRS pode provocar efeitos secundários no neurotransmissor dopamina devido às mudanças em sua disponibilidade. Outros estudos também concluíram que a TCC parece afetar os receptores dopaminérgicos D2⁵.
Alterações na amígdala
Sujeitos com transtornos de ansiedade apresentam maior reatividade neural na região da amígdala, que pode ser ajustada a partir do tratamento com TCC. De acordo com o estudo, o volume da massa cinzenta da amígdala, antes do tratamento, foi associado a ansiedade antecipatória e maior resposta autocrítica⁹. Após o tratamento, os pesquisadores indicaram redução no volume da massa cinzenta da amígdala e, logo, redução da ansiedade antecipatória⁹.
Estudos de neuroimagem identificaram que tanto a monoterapia quanto o tratamento combinado diminuem a atividade e conectividade da amígdala diante de uma exposição emocional em sujeitos com TAS⁵. Portanto, tratamentos com TCC e medicamentos (ISRS) apresentaram redução da resposta neural na amígdala⁹.
Em síntese, tanto na intervenção psicológica (TCC) quanto farmacológica há a possibilidade de redução da atividade amigdaliana.
Alterações no córtex pré-frontal dorsomedial
De acordo com os achados, o córtex pré-frontal dorsomedial desempenha um importante papel no processo de regulação emocional. Estudos indicaram que sua maior atividade está relacionada a uma melhor reavaliação cognitiva, tanto em sujeitos saudáveis quanto sujeitos com o transtorno de ansiedade social².
Índices de proteção celular
Os telômeros são estruturas presentes na extremidade dos cromossomos, responsáveis por protegê-los de degradações¹⁰. A telomerase é uma proteína acoplada responsável pela regulação do tamanho dos telômeros. Portanto, sua ausência permite seu encurtamento.
Telômeros mais curtos foram apresentados em casos de transtornos de ansiedade pela literatura⁹. Um estudo investigou os telômeros de 46 sujeitos com TAS antes e após o tratamento com TCC. Os resultados indicaram que a gravidade dos sintomas reduziu significativamente após o tratamento, porém, o tamanho dos telômeros e a atividade da telomerase não sofreram alterações significativas⁹.
Já um estudo sobre a resposta do antidepressivo (ISRS) na telomerase indicou um aumento da atividade da proteína ao longo do tratamento farmacológico⁹.
Outros estudos indicaram que a prática meditativa em indivíduos saudáveis parece estar associada ao aumento da atividade da proteína telomerase, sendo uma intervenção de caráter protetivo. Como intervenções psicológicas são capazes de reduzir o estresse, estas também se apresentam medidas de proteção celular⁹.
Conclusão
Indivíduos com o transtorno de ansiedade social apresentam crenças distorcidas sobre si que perpetuam sua dificuldade de enfrentamento perante situações de exposição social. O medo desproporcional do julgamento resulta em prejuízos tanto no âmbito social, como também no educacional e ocupacional.
Como o transtorno de ansiedade social apresenta alta prevalência e baixas taxas de remissão espontânea, é fundamental que o sujeito com os sintomas busque ajuda profissional qualificada.
Referências e Leitura Complementar:
- Hope, D. A; Heimberg, R.G..; Turk, C. L. (2012). Vencendo a ansiedade social com a terapia cognitivo-comportamental [recurso eletrônico]: manual do paciente. Tradução: Ronaldo Cataldo Costa; revisão técnica: Ricardo Wainer. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre: Artmed. ➞ Ler Artigo
- Goldin, P. R., Ziv, M., Jazaieri, H., Hahn, K., Heimberg, R., & Gross, J. J. (2013). Impact of cognitive behavioral therapy for social anxiety disorder on the neural dynamics of cognitive reappraisal of negative self-beliefs: randomized clinical trial. JAMA psychiatry, 70(10), 1048–1056. ➞ Ler Artigo
- Claudino, R. G. E., de Lima, L. K. S., de Assis, E. D. B., & Torro, N. (2019). Facial expressions and eye tracking in individuals with social anxiety disorder: a systematic review. Psicologia, reflexao e critica : revista semestral do Departamento de Psicologia da UFRGS, 32(1), 9. ➞ Ler Artigo
- Kyron, M. J., Johnson, A., Hyett, M., Moscovitch, D., Wong, Q., Bank, S. R., Erceg-Hurn, D., & McEvoy, P. M. (2023). Concurrent and prospective associations between negative social-evaluative beliefs, safety behaviours, and symptoms during and following cognitive behavioural group therapy for social anxiety disorder. Behaviour research and therapy, 161, 104253. ➞ Ler Artigo
- Hjorth, O., Frick, A., Gingnell, M., Engman, J., Björkstrand, J., Faria, V., Alaie, I., Carlbring, P., Andersson, G., Jonasson, M., Lubberink, M., Antoni, G., Reis, M., Wahlstedt, K., Fredrikson, M., & Furmark, T. (2022). Serotonin and dopamine transporter availability in social anxiety disorder after combined treatment with escitalopram and cognitive-behavioral therapy. Translational psychiatry, 12(1), 436. ➞ Ler Artigo
- Suzigan, M. S., Santos, L. da R., Rosa, S. A., Caldas, E. R., de Araújo, B. M., Caixeta, F. de C., da Silva, A. A., & Ferreira, M. V. (2024). Neurobiologia dos transtornos de ansiedade. Brazilian Journal of Health Review, 7(1), 6109–6130. ➞ Ler Artigo
- Kauer-SantAnna, Márcia et al. O papel do sistema dopaminérgico na fobia social. Brazilian Journal of Psychiatry [online]. 2002, v. 24, n. 1 [Acessado 22 Abril 2024], pp. 50-52. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S1516-44462002000100012>. Epub 23 Ago 2002. ISSN 1809-452X. ➞ Ler Artigo
- Kostic , V., & Agrela Rodrigues, F. de A. (2023). Neurotransmissores Relacionados A Doenças E Transtornos Mentais. Ciencia Latina Revista Científica Multidisciplinar, 7(5), 2872-2885. ➞ Ler Artigo
- Månsson, K. N., Salami, A., Frick, A., Carlbring, P., Andersson, G., Furmark, T., & Boraxbekk, C. J. (2016). Neuroplasticity in response to cognitive behavior therapy for social anxiety disorder. Translational psychiatry, 6(2), e727. ➞ Ler Artigo
- Pereira Junior, J. (2008). Estudo dos telômeros em tecido hipocampal de camundongos submetidos a um estresse psicossocial prolongado. Dissertação de Mestrado, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo. Recuperado em 2024-04-22, de www.teses.usp.br. ➞ Ler Artigo