Consideramos ‘inteligência emocional’ (IE) um conceito abrangente, que engloba aspectos cognitivos e sociais das emoções¹. Em outras palavras, a inteligência emocional consiste na percepção, regulação, compreensão e gerenciamento das emoções de maneira funcional e adaptativa².
A alexitimia, no entanto, é um termo que se traduz como “sem palavras para emoções”. Tal condição envolve a dificuldade de identificação e expressão das emoções, sendo, portanto, associada a diversos transtornos mentais².
Inteligência emocional e abordagem psicométrica
Um estudo identificou que sistemas de IE compartilharam redes associadas a dois subtipos de inteligência: compreensão verbal e velocidade de processamento³. Em consonância, outro estudo apontou que indivíduos com pontuações baixas nos testes verbais de avaliação de QI parecem apresentar pontuações mais altas em casos de alexitimia (dificuldade na identificação das emoções)².
Danos aos centros de linguagem cerebral, como lesões no lobo temporal e no giro frontal inferior, estão associados a alexitimia adquirida², enquanto déficits na velocidade de processamento se relacionam com danos nas regiões frontais e parietais³.
Traços de personalidade e inteligência emocional
Poucos estudos foram realizados associando a inteligência emocional aos traços de personalidade. Considerando o modelo Big Five, temos cinco fatores de personalidade: neuroticismo, extroversão, abertura à experiência, socialização e consciência (ver artigo).
Análises de regressão indicaram que apenas o fator ‘consciência’ (ou realização) previu índices de IE³. O fator consciência de personalidade envolve a capacidade do sujeito em resolver problemas³ e seu senso de auto-eficácia⁵.
A figura abaixo indica o mapa de lesões das regiões cerebrais envolvidas na IE (em azul) e no fator de personalidade consciência (amarelo). Áreas que são relacionadas tanto na IE quanto no fator consciência se apresentam em verde.
Uma revisão sistemática sobre transtornos afetivos e personalidade corroborou com o achado. Os pesquisadores identificaram o fator ‘consciência’ como protetivo, ou seja, foi negativamente associado aos transtornos afetivos⁵.
As áreas corticais envolvidas no fator consciência são: córtex pré-frontal dorsolateral direito, córtex orbitofrontal esquerdo e junção temporoparietal esquerda. O córtex orbitofrontal esquerdo também está envolvido na IE, sendo uma região associada à cognição emocional e social³.
No entanto, vale ressaltar que os achados referentes a IE ainda são inconsistentes. Estudos de neuroimagem apresentaram divergências sobre as áreas cerebrais envolvidas na IE. Pesquisadores da área indicam que as ferramentas de avaliação da IE apresentam validades controversas, o que dificulta sua definição clara e, portanto, sua medição nos estudos⁷.
Habilidades da Inteligência Emocional
1. Consciência emocional
A consciência emocional é uma habilidade referente ao reconhecimento das nossas próprias emoções. Estudos indicam que pacientes com lesões na ínsula anterior apresentam altos níveis de alexitimia, sendo, portanto, uma área importante para o desenvolvimento dessa habilidade⁷.
Além do papel da ínsula, o córtex cingulado anterior também participa do processo emocional. Estudos apontam que a atividade conjunta dessas regiões promove a criação das experiências emocionais subjetivas⁷ através da criação dos significados e das narrativas⁸.
O córtex pré-frontal ventromedial também desempenha seu papel na consciência emocional: sujeitos com lesões nessa região demonstraram redução no arrependimento após tomarem decisões ruins, além da redução da intensidade emocional⁷.
2. Empatia e comportamento pró-social
O reconhecimento emocional não necessariamente desencadeará a empatia. A empatia é responsável por proporcionar o comportamento pró-social voltado para a ajuda ao próximo. Sua redução foi encontrada em sujeitos com lesão no córtex pré-frontal ventrolateral e em lesões na ínsula⁷.
3. Memória emocional
Estudos indicam que memórias vinculadas a eventos emocionais são menos suscetíveis a serem esquecidas quando comparadas às memórias formadas em eventos neutros. A memória emocional engloba as regiões do lobo temporal medial. Além disso, pacientes com lesões na amígdala apresentam dificuldade em consolidar lembranças emocionais referentes às características dos outros, tais como simpatia e confiança⁷.
4. Teoria da mente
A teoria da mente baseia-se na capacidade do sujeito em interpretar como o outro deve estar se sentindo a partir da leitura comportamental e contextual. Tal habilidade parece prejudicada em casos de lesões do córtex frontal ventrolateral, no qual sujeitos apresentam dificuldade em perceber quando um comportamento foi inapropriado em um contexto social⁷.
5. Regulação emocional
A regulação emocional é um componente muito estudado dentro da IE, sendo importante para a promoção de saúde mental²,⁷. Seu precursor envolve a identificação das próprias emoções².
Assim como nas outras habilidades da IE, sujeitos com lesões do córtex pré-frontal ventrolateral apresentam maior desregulação emocional, ou seja, manifestam dificuldade de atenuação de respostas emocionais, mesmo ao longo do tempo⁷.
Para nos regularmos emocionalmente, possuímos estratégias tanto comportamentais (ex: resolução de problemas e enfrentamento) quanto cognitivas (ex: restruturação dos pensamentos). Sendo assim, sujeitos com dificuldade em nomear as emoções podem apresentar maior dificuldade em se autorregular².
Técnica de reestruturação cognitiva
A reestruturação cognitiva é uma técnica que se baseia no reconhecimento dos pensamentos automáticos e na contestação dos mesmos, a partir da criação de pensamentos alternativos mais realistas para a interpretação das situações⁶.
Durante a restruturação cognitiva, a ativação do córtex pré-frontal medial associa-se com a diminuição da ativação da amígdala e, consequentemente, com a redução da intensidade do afeto negativo. O córtex orbitofrontal (OFC) é responsável por coordenar as interações entre essas áreas. A figura abaixo apresenta as áreas associadas no circuito da regulação emocional⁸:
Ruminação e (des)regulação emocional
O processo de ruminação é uma técnica desadaptativa, caracterizado por pensamentos repetitivos de tendência negativa no qual sua manutenção apresenta efeitos negativos na saúde mental, tal como quadros depressivos⁸. É uma tentativa do sujeito em lidar com situações que desencadeiam emoções desagradáveis.
De acordo com os estudos, alguns sujeitos são mais propensos a apresentarem ruminação. As experiências no início da vida parecem refletir nas estratégias utilizadas durante a fase adulta, ou seja, pessoas que sofreram altos níveis de estresse são mais suscetíveis a estratégias mal adaptativas, ao desenvolvimento de depressão e ao baixo controle cognitivo⁸.
A ruminação crônica ativa o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA) e eleva os níveis de cortisol. A alta ativação do eixo HPA está associada a comportamentos de esquiva e emoções negativas, presentes nos quadros de ansiedade e depressão⁸.
Conclusão
Estudos apontam que a IE é preditora de empatia, bem-estar, sucesso profissional e qualidade dos relacionamentos interpessoais. No entanto, pesquisas mais robustas na área são necessárias, visto que ainda há uma grande lacuna científica sobre o tema⁷.
A dificuldade em identificar emoções parece aumentar o sofrimento, impedindo que estratégias efetivas de regulação emocional (como por exemplo, técnicas de respiração e reestruturação cognitiva) sejam aplicadas. Tratamentos na área da Terapia Cognitivo-comportamental (TCC) oferecem instrumentos com objetivo de mudar pensamentos disfuncionais e melhorar o gerenciamento das emoções².
Referência
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MUITO BOM ESCLARECEDOR PARABENS
MUITO BOM, ESCLARECEDOR . PARABENS
Obrigada Claudete. Fico feliz que tenha gostado!