A força dos membros inferiores é fundamental não apenas para a mobilidade e prevenção de quedas, mas também para a manutenção das funções cognitivas ao longo da vida. O envelhecimento leva a uma perda progressiva de massa muscular, principalmente nas pernas, e essa redução pode impactar diretamente a saúde do cérebro.
A partir da revisão de alguns estudos científicos, exploro neste artigo como o fortalecimento dos membros inferiores pode contribuir para um envelhecimento cerebral mais saudável, ajudar a prevenir doenças neurodegenerativas, preservando a cognição e a independência funcional.
Envelhecimento e perda muscular
A sarcopenia é uma condição caracterizada pela perda progressiva de massa e força muscular, que pode começar a partir dos 30 anos e se intensificar após os 50. Estudos mostram que, a partir dessa idade, perdemos entre 1% e 2% de massa muscular ao ano. Essa perda é ainda mais acentuada em pacientes acamados ou em pessoas que levam um estilo de vida sedentário, afetando significativamente a mobilidade e a qualidade de vida.
Imagine que seu corpo é um edifício com alguns andares e suas pernas são os pilares que sustentam toda a estrutura. Se esse alicerce enfraquece, a estabilidade do edifício fica comprometida. No corpo humano, a perda de força nos membros inferiores pode levar a quedas frequentes, dificuldade de locomoção e até mesmo ao declínio cognitivo.
Recentemente, atendi uma paciente com mais de 80 anos cuja família relatava quedas frequentes, fraqueza nas pernas e dificuldades cognitivas progressivas. Ao longo dos anos, a falta de atividade física resultou em uma perda significativa de sua massa muscular, especialmente nos membors inferiores, tornando até atividades simples, como se levantar de uma cadeira, um desafio. A boa notícia é que, mesmo nos casos onde a idade é muito avançada, através de um programa estruturado de fortalecimento dos membros inferiores, fisioterapia e terapia ocupacional, foi possível observar uma melhora na mobilidade e no desempenho das atividades diárias.
Os músculos das pernas
Alguns especialistas alegam que até 50, 60% da massa muscular total do corpo humano está localizada nos membros inferiores. O quadríceps femoral, por exempo, é o maior grupo muscular do corpo humano e está localizado na região anterior da coxa.
Os músculos da parte anterior da coxa são especialmente afetados pelo envelhecimento. Como eles são fundamentais para a locomoção e para ações simples, como “levantar e ir”, seu enfraquecimento pode comprometer a qualidade de vida de maneira muito significativa.
Vale ressaltar que do ponto de vista técnico, a nomenclatura perna corresponde apenas à porção inferior ao joelho, não incluindo a coxa. Anatomicamente, o termo mais acertado ao se referir à todo o membro é membro inferior.
O fortalecimento das pernas e os benefícios para o cérebro
Está mais do que claro que o treinamento de força deve ser priorizado não apenas por questões estéticas, mas para a manutenção da autonomia e independência. Chegar aos 90 anos podendo não só tomar decisões, mas também executar aquilo que é importante para nós, é extremamente desejável.
Confira a seguir 7 benefícios proporcionados ao cérebro e ao sistema nervoso pelo fortalecimento das pernas.
Benefício #1: Retorno venoso e irrigação cerebral
O fortalecimento das pernas melhora a circulação sanguínea e otimiza o transporte de oxigênio e nutrientes para o cérebro. Os músculos das pernas desempenham um papel essencial na circulação sanguínea, funcionando como uma bomba de retorno venoso.
Durante a contração muscular, o sangue é impulsionado de volta ao coração, reduzindo o risco de insuficiência venosa e melhorando a oxigenação cerebral. Esse efeito é particularmente importante em idosos, uma vez que o hipofluxo cerebral pode levar a quadros de tontura, quedas e menor aporte de nutrientes aos neurônios, impactando negativamente a cognição.
Benefício #2: Saúde metabólica
O fortalecimento dos membros inferiores desempenha um papel essencial na melhoria do metabolismo, ajudando a prevenir doenças crônicas como diabetes tipo 2, hipertensão arterial e doenças cardiovasculares. A ativação de grandes grupos musculares das coxas e pernas aumenta a sensibilidade à insulina, favorecendo o controle da glicemia e reduzindo o risco de resistência insulínica, um fator sabidamente associado ao declínio cognitivo e ao desenvolvimento da doença de Alzheimer.
O gasto energético dispendido por esses grandes músculos é considerável e auxilia no emagrecimento saudável, reduzindo as medidas de circunferência abdominal por exemplo.
Além disso, o fortalecimento muscular melhora a circulação sanguínea e a pressão arterial, reduzindo a sobrecarga no coração e garantindo um fluxo adequado de oxigênio e nutrientes para o cérebro. Vale destacar que o cérebro é um órgão ricamente vascularizado, e essa melhoria da circulação afeta positivamente toda a malha arterial e venosa que irriga e drena o cérebro, possibilitando a ele uma oferta adequada de oxigênio e nutrientes, bem como um canal eficiente para desprezar o lixo celular constantemente produzido por esse órgão metabolicamente muito ativo.
Benefício #3: Miocinas e neuroplasticidade
A contração muscular ativa um complexo sistema de comunicação entre músculos e cérebro, conhecido como muscle-brain crosstalk. Especificamente, a atividade física estimula a produção de miocinas e fatores neurotróficos, como o brain-derived neurotrophic factor (BDNF), que desempenha um papel essencial na neuroplasticidade e na proteção contra doenças neurodegenerativas.
O BDNF melhora a cognição, favorece o aprendizado e protege contra doenças neurodegenerativas, como Alzheimer e Parkinson. Dessa forma, o movimento dos membros inferiores não apenas preserva a mobilidade, mas também estimula o cérebro a se adaptar e se fortalecer ao longo da vida.
Benefício #4: Performance cognitiva e neuroproteção
Pesquisas recentes apontam que o grau de força muscular nos membros inferiores está diretamente relacionado à função cognitiva.
Um relatório da Comissão Lancet aponta que até 40% dos casos de demência poderiam ser evitados com a redução de fatores de risco modificáveis, incluindo a inatividade física. Esse dado reforça a importância da atividade física regular para a preservação da função cerebral.
Um outro estudo publicado na revista Gerontology acompanhou gêmeos idênticos por dez anos e descobriu que aqueles com maior força nos membros inferiores tiveram um declínio cognitivo significativamente menor do que seus irmãos mais fracos. Ou seja, o fortalecimento muscular pode atuar como um fator protetor contra doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer.
Benefício #5: Prevenção do traumatismo craniano
Fortalecer as pernas é uma estratégia essencial para a prevenção de quedas, um dos principais fatores de risco para traumatismo cranioencefálico (TCE) em idosos. A perda de força muscular compromete a estabilidade e o equilíbrio, aumentando a probabilidade de quedas que podem resultar em fraturas cranianas, contusões cerebrais e hematomas subdurais, condições graves que afetam a cognição, a mobilidade e a qualidade de vida.
Exercícios de fortalecimento dos membros inferiores ajudam a manter o controle postural, a resistência muscular e os reflexos necessários para evitar quedas, reduzindo significativamente o risco de impactos traumáticos na cabeça. Ao investir na estabilidade do corpo, protege-se também o cérebro, garantindo mais segurança e independência no dia a dia.
Benefício #6: Vínculos sociais
Diversos fatores podem impactar a velocidade da marcha, incluindo fraqueza muscular, dor, problemas de equilíbrio, condições neurológicas e doenças cardiovasculares.
Investir no fortalecimento dos músculos das pernas e no desenvolvimento da potência muscular é fundamental para manter uma velocidade de marcha saudável, promovendo não apenas a mobilidade, mas também a integração social e a saúde mental. Um estudo de 2016 curiosamente apontou que pessoas com uma caminhada mais lenta tinham três vezes mais chances de apresentar participação social limitada em comparação àqueles que se deslocavam em um ritmo mais rápido.
E sabemos por outras evidências acumuladas que pessoas com dificuldades para se envolver em atividades sociais, ou seja, mais sujeitas à solidão e ao isolamento social, têm um risco aumentado de declínio cognitivo, depressão, doenças cardíacas e até morte precoce.
Benefício #7: Autonomia
Fortalecer as pernas é fortalecer a liberdade. Músculos firmes nos membros inferiores garantem não apenas mobilidade, mas também a autonomia para viver a vida com plenitude.
A capacidade de caminhar com segurança, subir escadas sem hesitação e levantar-se sem esforço reflete um corpo forte e uma mente mais confiante. Com pernas preparadas para o movimento, abre-se um mundo de possibilidades: passeios ao ar livre, encontros com amigos, viagens e momentos inesquecíveis ao lado de quem se ama.
A independência funcional não é apenas sobre locomoção, mas sobre manter-se ativo, conectado e presente, aproveitando cada etapa da vida com energia e entusiasmo.
Exercícios para fortalecer as pernas em casa
Se você deseja fortalecer as pernas com exercícios em casa, saiba que há diversas opções de exercícios simples e eficazes que podem ser incorporados à sua rotina. Antes de iniciar qualquer atividade, é essencial consultar um médico para garantir que a prática seja segura para você, especialmente se houver alguma condição de saúde prévia. Uma abordagem gradual é fundamental para evitar lesões e permitir que o corpo se adapte progressivamente ao novo estímulo.
Muitas atividades podem ser feitas dentro de casa, sem a necessidade de equipamentos sofisticados. Exercícios como elevações de calcanhar apoiado no balcão da cozinha ou marchar no lugar são opções acessíveis para ativar os músculos das pernas. Outro excelente exercício funcional é levantar-se e sentar-se de uma cadeira repetidamente, o que ajuda a fortalecer os quadríceps e melhorar a autonomia nas atividades diárias. Confira em detalhes os 4 exercícios selecionados a seguir:
- Elevação de calcanhar. Apoie-se em uma superfície estável, como o balcão da cozinha, e levante os calcanhares até ficar na ponta dos pés. Segure por alguns segundos e desça lentamente.
- Marcha no lugar. Levante os joelhos alternadamente, simulando uma caminhada estacionária. Esse exercício melhora o equilíbrio e ativa os músculos das pernas.
- Levantamento de cadeira. Sente-se e levante-se de uma cadeira sem usar as mãos para impulso. Isso fortalece os quadríceps e melhora a autonomia nos movimentos diários.
- Agachamento na parede. Apoie as costas contra uma parede e deslize lentamente para baixo até formar um ângulo de 90 graus com os joelhos. Segure a posição por alguns segundos e retorne.
Com o tempo, você pode adicionar resistência segurando pesos improvisados, como um galão com água, para intensificar o treino.
Criar uma rotina conveniente e sustentável é a chave para manter a prática de exercícios a longo prazo. A ideia de que o exercício precisa ser algo formal ou realizado apenas em uma academia pode ser repensada. Pequenos esforços distribuídos ao longo do dia, como realizar algumas repetições de exercícios durante pausas no trabalho ou enquanto assiste à TV, podem ser muito eficazes. Manter-se ativo de maneira consistente ajuda a preservar a mobilidade, reduzir o risco de quedas e melhorar a saúde cardiovascular e cognitiva.
Incluir esses exercícios na rotina pode trazer grandes benefícios para sua mobilidade e qualidade de vida. A recomendação é praticar exercícios resistidos pelo menos duas a três vezes por semana, ajustando os estímulos à capacidade de cada indivíduo, sempre com intensidades progressivas e sob orientação profissional.
Além dos exercícios físicos, a suplementação pode ser uma aliada importante no fortalecimento muscular. O whey protein auxilia na recuperação muscular e no ganho de força, especialmente para idosos que podem ter dificuldades em consumir proteínas adequadas na alimentação. Já a creatina tem sido amplamente estudada por seus benefícios na função muscular e cerebral, ajudando a reduzir a fadiga e a melhorar a resistência durante o exercício.
Conclusão
Fortalecer os músculos, em especial os membros inferiores, é fundamental para garantir a independência funcional, prevenir quedas e preservar a saúde do cérebro, seja direta ou indiretamente. Com a prática regular de exercícios de força, é possível retardar o declínio muscular e cognitivo, promovendo uma vida presente e um envelhecimento mais saudável e ativo.
E você, como avalia esse aspecto da sua saúde? Pernas fortes, saudáveis, capazes de levar seu corpo para onde seu cérebro deseja, ou está precisando se movimentar mais? Comente a seguir!
Referências e Leitura Complementar:
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