Eles vieram para ficar
Há cerca de trinta anos atrás, algumas das maiores empresas de tecnologia do mundo, como a Apple, IBM e Ericsson já vislumbravam o futuro da comunicação interpessoal. Na verdade, com o surgimento da internet, muita coisa mudou. E mudou também a forma como as pessoas veem umas às outras e interagem entre si. Aquela conversa que se estendia por horas e horas, na porta de casa, com o intuito de atualizar todo tipo de assunto, ou mesmo o envio de cartas, recados e telegramas foram cedendo espaço à aparelhos portáteis cada vez mais funcionais, que ano após ano tornam obsoleto pelo menos um aspecto de nossas vidas.
Telefones públicos, máquinas fotográficas, agendas, calculadoras portáteis, relógios, alarmes, bloco de anotações… A velocidade com que isso tudo vai ficando restrito ao passado é realmente assustadora. E chega a preocupar os especialistas. Será que o futuro que está por vir é negativo no que diz respeito aos aspectos sociais humanos mais primitivos? Será que as pessoas estão preferindo teclar do que conversar umas com as outras? Que tipo de impacto o uso dos smartphones pode trazer para o cérebro das pessoas e para a sociedade como um todo?
O futuro é incerto e os cientistas já correm contra o tempo para descobrir o melhor uso de toda essa tecnologia. Algumas descobertas já merecem a nossa atenção. Refletir sobre o assunto é necessário.
Por que estamos nos rendendo a toda essa tecnologia?
Não são raras histórias como: “ele dizia que nunca iria precisar de um celular… Só foi ter um para nunca mais conseguir ficar sem…” ou “a minha vó conversa comigo todos os dias por mensagens. Sabe até mandar uns emoticons…” Histórias como essas indicam pelo menos um aspecto dessa tecnologia, especialmente dos smartphones, os chamados “celulares inteligentes”, que é a facilidade de uso. Uma facilidade que inclui a abrangência de sua utilização e a maneira intuitiva com que são manuseados. Uma tentativa de solucionar parte do maior problema que muitos de nós vivenciamos: a falta de tempo.
Se não é o tempo escasso que impôs a necessidade de uma ferramenta desse tipo, seria a lei do mínimo esforço, ou da economia de energia. Sim, o nosso cérebro prefere atalhos, meios de economizar energia, ferramentas “econômicas” que ao mesmo tempo cutucam todas as suas entradas sensoriais. Especialmente os smartphones foram feitos para isso: emitem sons, estímulos visuais e dependem de um tato apurado. O dia em que forem capazes de compartilhar cheiros e gostos, a dependência certamente aumentará.
O seu cérebro não é bobo, aparentemente. Se você gastava uma hora para escrever uma carta, outra para ir ao correio e voltar, e ainda ficava na expectativa do sucesso dessa empreitada, agora, com o advento das mensagens instantâneas, você não gasta nem um minuto sequer. E ainda: já confirma se a sua mensagem foi vista, o que diminui muito o nível de ansiedade em seus pensamentos. Será que ele viu a mensagem? Será que vai entender? Tudo é rápido, certeiro e bem objetivo.
O cérebro está delegando funções
Outro aspecto que muita gente não considera é a limitação do cérebro. Vivem dizendo por aí que usamos muito pouco da nossa capacidade intelectual, mas será que os fatos não têm mostrado justamente o contrário? Aumentam diariamente o número de pessoas ansiosas e descontentes. Hoje, é enorme a busca por medicamentos ou estratégias para otimizar o desempenho mental; por outro lado, há a necessidade crescente de buscar espaços e locais mais tranquilos, onde seja possível colocar as ideias no lugar e pensar com clareza. Isso tudo não aponta para uma sociedade onde os cérebros estão sobrecarregados e necessitados de descanso? Pois é… estaria o cérebro delegando funções para dispositivos inteligentes externos, devido a essa sobrecarga, mais do que propriamente ampliando o seu potencial de livre e espontânea vontade? Algo para pensar.
Como uma ferramenta que é, o smartphone se presta a um fim. Encaixou perfeitamente no modelo social em que vivemos, onde a informação ganha destaque e cada pessoa pode desempenhar o seu papel, senão ao produzi-la, pelo menos ao passá-la adiante. O que se questiona sobretudo é esse modelo. Talvez, a virtude na conclusão de metas em tempos hábeis, ou o controle pleno sobre os acontecimentos do dia, possam constituir, junto a outras questões, um modelo falho de comportamento humano, não fisiológico, que mais prejudica o funcionamento do cérebro e do organismo, do que os beneficia.
A partir de agora, serão apresentados uma série de questionamentos sobre os riscos que estamos correndo pelo uso excessivo e inadvertido dessa tecnologia. Ela está em nossas mãos. Suspeita-se que existam mais telefones celulares do que pessoas no mundo. Não há dúvidas de que seja uma revolução. Mas, será uma evolução ou uma involução?
Efeitos sobre o desenvolvimento do cérebro
Recentemente, pesquisadores da Escola de Medicina da Universidade de Boston levantaram questões interessantes sobre o uso dos tablets e smartphones como ferramentas educacionais adicionais. As conclusões foram publicadas na revista Pediatrics. Uma das maiores preocupações dos pesquisadores foi em relação ao comportamento cada vez mais difundido de se utilizar esses dispositivos para acalmar as crianças.
Os pesquisadores alertaram que esse uso para desviar a atenção de uma criança pode ser prejudicial para o seu desenvolvimento sócio-emocional. Frequentemente, tendo em vista a impaciência dos pais e cuidadores, esses dispositivos se tornam o método predominante para acalmar e distrair as crianças. Questiona-se se isso poderia comprometer o desenvolvimento de mecanismos internos de autoregulação.
Embora haja estudos com conclusões diferentes, os pesquisadores descobriram que o uso da tela interativa por crianças com idade inferior a três anos poderia prejudicar também o desenvolvimento das habilidades matemáticas e relacionadas às ciências. Outros estudos, no entanto, identificaram alguns benefícios do uso desses dispositivos móveis, como o aumento da taxa de alfabetização precoce, e um melhor engajamento acadêmico em alunos com autismo.
Houve evidências de que alguns livros eletrônicos e aplicativos para aprender a ler poderiam ajudar na formação do vocabulário e compreensão de leitura. Entretanto, os dados se relacionaram positivamente a crianças mais próximas da idade escolar.
Uma preocupação dos cientistas é os prejuízos da relação entre pais e filhos que ocorrem a partir da distração provocada pelo uso dos smartphones por adultos. Teme-se que haja prejuízo nas conexões sociais parentais, declínio do afeto e aumento do sentimento de negligência em relação aos filhos.
O mundo é perigoso fora das telas
Algo que é de conhecimento geral: o número de acidentes de trânsito ou mesmo quedas e traumas têm aumentado consideravelmente em função da distração provocada pelo uso dos smartphones. Mais alarmante do que isso, e que poderá ser confirmado muito em breve a partir de novos estudos, é o número de acidentes graves que ocorrem com os filhos enquanto os pais teclam, mandam mensagens ou interagem de alguma forma com seus dispositivos. Já houve relatos de quedas de brinquedos e mesmo afogamentos. As estatísticas são prejudicadas porque muitas vezes os pais acabam não relatando sua distração.
Se você quer ser divulgar, uma das formas de fazer isso é publicar suas selfies, nos mais variados ambientes, em lugares exóticos. Você conquista visibilidade e reputação na rede. Pelo menos é o que muitos acreditam ao se arriscarem das mais diversas maneiras. Recentemente, um acidente trágico envolveu garotos que queriam tirar uma selfie segurando uma granada acionada. O resultado…
Dedos ganham destaque no cérebro
Uma vez que o cérebro é maleável e pode ser moldado pela experiência, o uso intenso dos smartphones deveria provocar mudanças estruturais na organização das redes cerebrais. Sim, é o que confirmou recentemente um estudo que utilizou como método propedêutico a eletroencefalografia – técnica que mede e avalia a atividade elétrica neural.
Vários eletrodos foram posicionados no couro cabeludo dos voluntários e, ao mesmo tempo em que foram estimulados mecanicamente em seus respectivos dedos, a sensação era gravada por meio de ondas cerebrais. A partir disso, os pesquisadores foram capazes de construir uma imagem ou mapa de quanto tecido do cérebro é dedicado a uma determinada região do corpo.
Os resultados revelaram diferenças discerníveis entre os usuários de smartphones touchscreen e pessoas com telefones celulares convencionais. Quem usa um “celular inteligente” apresentou maior medição do eletroencefalograma em resposta ao toque mecânico do polegar, indicador e dedo médio. E, quanto mais frequente o uso, maior a atividade detectada, o que poderia ser traduzido como áreas cerebrais representativas maiores para os dedos envolvidos.
Mais calor e açúcar
Estudos trouxeram outras evidências interessantes relacionadas ao uso de celulares. Um trabalho científico detectou que o uso prolongado aumentou o consumo de glicose no hemisfério cerebral mais próximo ao aparelho. Seria isso secundário à própria ativação cortical? Efeito da radiofrequência? Um outro estudo acusou um discreto aumento da temperatura cerebral do lado também mais próximo do dispositivo. Nada que pudesse comprometer as funções e a saúde do órgão, disseram os cientistas. Interessante, não?!
Celulares causam ou não câncer no cérebro?
Essa é uma pergunta alvo de muita pesquisa recente. Em 2011, uma das organizações mais importantes e referência em oncologia acabou incluindo os celulares como possíveis causadores de algumas formas de câncer. A menção foi criticada por muitas entidades que lidam com o tema, alegando que não haveria dados científicos conclusivos a respeito do assunto.
A Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC), que é parte da Organização Mundial da Saúde (OMS), classificou os campos de radiofrequência como “possivelmente cancerígenos para os seres humanos”, com base em evidências limitadas de um possível aumento do risco de tumores cerebrais entre os usuários de telefone celular, e evidência inadequada para outros tipos de câncer.
Olha o que disseram, na ocasião, outras agências de peso:
Segundo a Food and Drug Administration (FDA), que regula a segurança dos dispositivos emissores de radiação, como telefones celulares nos Estados Unidos, “a maioria dos estudos publicados não conseguiram demonstrar uma associação entre a exposição a campos de radiofrequência a partir de um telefone celular e problemas de saúde.”
De acordo com o Centers for Disease Control and Prevention (CDC), “neste momento não temos a ciência para conectar problemas de saúde com o uso do telefone celular. Estudos científicos estão em andamento para determinar se o uso do telefone celular pode causar efeitos na saúde.”
Por último, em nota, o National Cancer Institute (NCI) declarou que “os estudos até agora não têm mostrado uma ligação consistente entre o uso do telefone celular e câncer no cérebro, nervos ou outros tecidos da cabeça e pescoço. Mais pesquisas são necessárias pois a tecnologia do telefone celular e a forma como as pessoas usam os aparelhos têm mudado rapidamente.”
A verdade é que somente alguns poucos estudos identificaram uma relação desse tipo de radiação – não ionizante – própria do celular, com o desenvolvimento de tumores no sistema nervoso. Um deles, por exemplo, encontrou evidências de aumento da incidência do neurinoma do acústico, um tipo de tumor benigno que afeta um dos nervos cranianos. O próprio estudo não confirmou o achado em uma atualização subsequente. Além disso, os especialistas questionaram o modelo utilizado na pesquisa.
Conclusão: ainda não existem quaisquer boas explicações de como telefones celulares poderiam ou podem causar câncer. A radiação eletromagnética de radiofrequência que eles emitem é muito fraca. Esta radiação não teria, segundo os especialistas, energia suficiente para danificar o DNA celular, um evento primário na fisiopatologia da doença.
De qualquer forma, é bom pecar pelo excesso de precaução até que uma evidência definitiva seja apresentada. Essas mesmas organizações envolvidas recomendam que o uso dos celulares não seja abusivo, que crianças e adolescentes os utilizem apenas se realmente for necessário e que, se possível, o modo viva-voz seja acionado. Outra recomendação é evitar dormir ao lado do dispositivo. Finalmente, apesar de também ser algo sob investigação, recomenda-se que portadores de marcapasso não coloquem os aparelhos em bolsos próximos.
Bom, os últimos trinta anos foram marcados por uma mudança drástica na forma como nos comunicamos. Tudo começou com os celulares e, mais recentemente, com o surgimento dos smartphones, a comunicação de fato é outra. Agora, tudo está literalmente em nossas mãos.
O que é fácil e acessível passa a ser utilizado mais frequentemente, em detrimento de outras coisas importantes. Por isso, é preciso buscar evidências para nortear melhor nossas decisões. Será que a dependência digital, especialmente em relação aos celulares, é isenta de riscos à saúde? Será que o uso atual dos chamados “celulares inteligentes” tem sido realmente inteligente?
Fontes: The Guardian, Forbes, BBC, Cancer.org