Durante a transição da menopausa, as mulheres passam por um período de mudanças significativas em seus corpos e mentes. Um dos sintomas comumente relatados por elas, por exemplo, é a chamada “névoa cerebral”. Será que existe uma explicação neurofisiológica consistente para esse e outros fenômenos que acometem o cérebro feminino nessa fase da vida?
A seguir, um revisão breve a partir de dois artigos científicos recentes e relevantes. Ambos nos dão um panorama sobre as alterações que envolvem o cérebro e suas funções nos períodos que antecedem e sucedem a menopausa, bem como a relação de hormônios específicos com esse acontecimento biológico natural.
Sintomas neurológicos da transição da menopausa
A transição da menopausa é marcada por uma série de sintomas neurológicos específicos que podem afetar a qualidade de vida e o bem-estar das mulheres. Entre esses sintomas, destacam-se as ondas de calor, que são sensações súbitas de calor intenso que podem ocorrer em todo o corpo, acompanhadas por sudorese e palpitações. Esses episódios podem ser desencadeados por diversos fatores, como alterações hormonais e estresse, e são uma das queixas mais comuns durante a menopausa. Além das ondas de calor, as mulheres também podem experimentar distúrbios do sono, como insônia ou sono fragmentado, que podem contribuir para a fadiga e irritabilidade diurna.
Essas alterações estão diretamente relacionadas à diminuição dos níveis de hormônios sexuais, em especial o 17β-estradiol, que desempenha um papel fundamental na regulação de diversas funções do organismo, incluindo as funções reprodutivas e neurais.
A queda nos níveis desse hormônio durante a menopausa pode impactar diretamente a atividade cerebral, afetando processos como a neurotransmissão, a plasticidade neuronal e a regulação do humor. Essas mudanças hormonais podem contribuir para a manifestação de sintomas como lapsos de memória, dificuldade de concentração e alterações de humor, que são comuns durante a transição da menopausa.
Biomarcadores cerebrais ao longo da menopausa
Os biomarcadores cerebrais sofrem mudanças significativas ao longo das diferentes fases da menopausa, o que também pode influenciar o risco de demência. Estudos demonstram que a estrutura cerebral, a conectividade e o metabolismo energético variam entre as fases pré-menopausa, peri-menopausa e pós-menopausa. Por exemplo, o volume de matéria cinzenta (GMV) se estabiliza pós-menopausa, e a recuperação em regiões-chave do cérebro para o envelhecimento cognitivo é observada. Essas mudanças não estão relacionadas ao envelhecimento cronológico, mas sim ao envelhecimento endócrino específico da menopausa, como evidenciado pela comparação com homens da mesma faixa etária.
Além disso, a produção de ATP mitocondrial no cérebro in vivo se correlaciona com a preservação do desempenho cognitivo pós-menopausa, indicando processos adaptativos compensatórios. Esses achados sugerem que a menopausa é uma transição neurológica dinâmica que impacta significativamente a estrutura cerebral, a conectividade e o perfil metabólico durante o envelhecimento endócrino da meia-idade no cérebro feminino, o que pode ter implicações no risco de demência como o Alzheimer.
Essas descobertas destacam a complexidade das alterações cerebrais ao longo da menopausa e a importância de compreender os mecanismos adaptativos que ocorrem nesse período de transição hormonal.
Estrogênio, fatores sexuais e risco de Alzheimer
O estudo intitulado “Sex and Gender Driven Modifiers of Alzheimer’s: The Role for Estrogenic Control Across Age, Race, Medical, and Lifestyle Risks”, liderado por Aneela Rahman e sua equipe, investigou detalhadamente os mecanismos pelos quais os fatores sexuais e de gênero influenciam tanto o risco quanto a progressão da doença de Alzheimer. Uma das principais ênfases da pesquisa residiu na compreensão do papel dos hormônios estrogênicos na modificação dos fatores de risco associados à doença. Os autores examinaram a influência de variáveis como idade, etnia, condições médicas e estilo de vida, reconhecendo a complexidade da interação entre esses fatores. Eles ressaltam a urgência de uma abordagem personalizada na identificação, prevenção e tratamento do Alzheimer, reconhecendo as nuances individuais que moldam a manifestação e o curso da doença.
Vale ressaltar que o estrogênio desempenha um papel fundamental na regulação de uma série de processos bioquímicos e neurobiológicos que podem influenciar o risco e a progressão da doença de Alzheimer. Em um nível bioquímico, o estrogênio atua como um hormônio esteroide que se liga a receptores específicos, incluindo os receptores de estrogênio alfa (ERα) e beta (ERβ), presentes em uma variedade de células do corpo, incluindo células neuronais. Quando o estrogênio se liga a esses receptores, ele desencadeia uma série de respostas celulares que podem afetar diretamente a função cerebral.
Por exemplo, o estrogênio pode modular a expressão gênica, influenciando a síntese de proteínas envolvidas na regulação do ciclo celular, na função mitocondrial e na resposta a estresse oxidativo. Além disso, o estrogênio pode influenciar a neurotransmissão, afetando a atividade de neurotransmissores como a dopamina, a serotonina e o glutamato, que desempenham papéis críticos na cognição, humor e função executiva. A capacidade do estrogênio de modular a plasticidade sináptica e a neurogênese também pode ser relevante na doença de Alzheimer, onde a perda de sinapses e a morte neuronal são características proeminentes.
Em termos de bioquímica cerebral, o estrogênio também pode interagir com proteínas envolvidas na formação e deposição de agregados de proteínas, como a beta-amiloide, uma característica neuropatológica da doença de Alzheimer. Estudos sugerem que o estrogênio pode afetar a produção e o clearance do beta-amiloide, bem como modular a resposta inflamatória e a neuroinflamação associadas à doença. Portanto, compreender o papel específico do estrogênio a nível bioquímico é crucial para elucidar seus efeitos na neurobiologia da doença de Alzheimer e pode oferecer insights importantes para o desenvolvimento de novas abordagens terapêuticas e preventivas.
Em resumo, os estudos realizados sobre a estrutura cerebral, conectividade neural e metabolismo energético durante a menopausa revelam importantes implicações para o envelhecimento cognitivo das mulheres. Após a menopausa, observam-se adaptações específicas no cérebro feminino, como a redução do volume de substância cinzenta em determinadas regiões, o que pode impactar diretamente a função cognitiva. Além disso, as alterações na conectividade neural pós-menopausa podem influenciar a eficiência dos processos cognitivos, afetando a comunicação entre diferentes áreas cerebrais e, consequentemente, a integração de informações para a realização de tarefas cognitivas complexas.
No que se refere ao metabolismo energético, durante a menopausa, há evidências de uma modificação na produção de energia pelas mitocôndrias cerebrais. Essas alterações no metabolismo energético podem ter implicações significativas para a função cerebral, afetando a capacidade do cérebro de manter suas funções cognitivas ao longo do envelhecimento. Portanto, as mudanças observadas na estrutura cerebral, conectividade neural e metabolismo energético das mulheres pós-menopausa refletem a complexidade dos processos adaptativos que ocorrem no cérebro durante essa fase da vida, destacando a importância de compreender esses mecanismos para promover a saúde cognitiva e prevenir possíveis complicações neurodegenerativas.
Implicações futuras
As descobertas sobre as implicações da menopausa na estrutura cerebral, conectividade neural e metabolismo energético das mulheres têm importantes repercussões para o futuro da saúde cognitiva feminina. Compreender essas adaptações específicas que ocorrem no cérebro pós-menopausa pode fornecer insights valiosos para o desenvolvimento de estratégias de intervenção e prevenção destinadas a promover a saúde cerebral ao longo do envelhecimento. Ao reconhecer a influência dos fatores hormonais e metabólicos nesse processo, os profissionais de saúde podem direcionar abordagens personalizadas para preservar a função cognitiva e mitigar os riscos de doenças neurodegenerativas em mulheres na meia-idade e além.
Em conclusão, as evidências científicas apontam para a complexidade das alterações cerebrais durante a menopausa e destacam a importância de considerar a saúde cerebral como parte integrante do cuidado da saúde da mulher ao longo do ciclo de vida. O entendimento dos mecanismos adaptativos do cérebro feminino pós-menopausa não apenas abre caminho para intervenções precoces e personalizadas, mas também ressalta a necessidade de uma abordagem holística que leve em conta as interações entre hormônios, estrutura cerebral e metabolismo energético para promover um envelhecimento saudável e preservar a função cognitiva das mulheres.
Referências e Leitura Complementar:
- Rahman, A., Jackson, H., Hristov, H., Isaacson, R. S., Saif, N., Shetty, T., … & Mosconi, L. (2019). Sex and gender driven modifiers of Alzheimer’s: the role for estrogenic control across age, race, medical, and lifestyle risks. Frontiers in Aging Neuroscience, 11, 315. ➞ Ler Artigo
- Mosconi, L., Berti, V., Dyke, J., Schelbaum, E., Jett, S., Loughlin, L., … & Brinton, R. D. (2021). Menopause impacts human brain structure, connectivity, energy metabolism, and amyloid-beta deposition. Scientific Reports, 11(1), 10867. ➞ Ler Artigo
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