A gravidez é algo difícil de ser entendida. É um período de mudança radical na vida da mulher e de sua família, tanto nas questões biológicas quanto psicossociais.
Todos conhecem, pelo menos um pouco, sobre a enxurrada de hormônios que transforma o corpo da futura mãe. Tudo a fim de desenvolver todo um novo ser humano em um processo complexo e perfeitamente organizado.
Mas inchaços, ganho de peso, até certo grau de anemia são uma coisa. E quanto ao cérebro? Existe alguma coisa em particular que acontece com ele na gestação? E é possível alguma coisa na gravidez afetar o cérebro da criança sendo formada?
Só do bom e do melhor
Náuseas e vômitos (ou hiperemese gravídica), talvez o maior e mais temido inconveniente do começo da gravidez.
Em alguns casos, pode até causar desidratação. Algumas pessoas relacionam isso ao aumento da capacidade olfativa (hiperosmia) que ocorre no mesmo período da gestação. Mas, por que isso acontece?
Por incrível que pareça, isso tudo pode ser evolutivamente vantajoso! Existe uma teoria chamada de “Teoria da Profilaxia”. Segundo ela, esses eventos aconteceriam com o intuito de evitar que a mãe absorva toxinas que seriam nocivas ao desenvolvimento embrionário. Ele está em sua fase inicial e mais sensível no primeiro trimestre de gestação.
Consequentemente, ela seria mais seletiva na hora de escolher os alimentos e ainda ficaria mais sensível ao que come, garantindo a eliminação das substâncias indesejáveis. E ficando apenas com o que for melhor para o desenvolvimento da criança, claro.
Tanto a hiperemese quanto a hiperosmia acontecem em sincronia com a maior produção do hormônio beta-HCG pela placenta em formação. Esse é um hormônio específico da gestação, sendo, inclusive, usado pelos testes de farmácia para detectar a gravidez.
Como isso acontece? A área póstrema do tronco encefálico, responsável por desencadear náuseas e vômitos, possui receptores para o beta-HCG.
Coincidência? Ainda são necessárias mais pesquisas para confirmar essa relação, mas ao que tudo indica, as informações se encaixam.
De mãe para filha
O campo da epigenética, que estuda as influências do meio ambiente na expressão dos genes, vem crescendo muito e descobrindo coisas que talvez não gostaríamos de saber. Uma delas é a capacidade que o estresse de um indivíduo tem de afetar as gerações seguintes. Uma vez, escrevemos aqui sobre como a depressão pode “passar” de pai para filho através desse mecanismo, e a gravidez parece não escapar desse mesmo destino.
Estudos com camundongos mostraram que, quando fêmeas eram expostas a situações estressantes, as gerações seguintes passavam a apresentar períodos gestacionais cada vez menores. Isso acontecia por até 4 gerações.
Na verdade, o estresse até “pula uma geração”. Mesmo se, por exemplo, a avó fosse submetida ao estresse e a mãe não, a neta apresentaria gravidez mais curta.
E o pior: o efeito era cumulativo. Se todas as gerações fossem submetidas a estresses, a gestação das mais jovens seria ainda mais curta.
Mas qual a relevância disso? Eis uma possível causa para os vários casos de partos pré-maturos que temos registrados atualmente. Ainda é necessária mais pesquisa na área, mas essa suspeita com certeza é preocupante.
O que eu tinha para falar mesmo…?
Algumas mães se queixam muito de “memória fraca” durante a gravidez, em especial durante o final da gestação. É claro que todo um contexto psicossocial contribui para isso.
Mudanças no corpo, no estilo de vida, a preocupação com o parto e com a saúde da criança que está por vir, as preocupações financeiras, etc. Todas deixam as mães mais distraídas e mais propensas ao esquecimento.
Contudo, esse efeito é mais objetivo do que pode parecer. Algumas pesquisas mostraram que as gestantes realmente têm mais dificuldade em executar tarefas que envolvam memória. Em especial as que envolvem a memória de trabalho (curto prazo).
Mais do que isso, estudos com camundongos evidenciaram um menor volume do hipocampo em fêmeas grávidas, o que traduz uma maior dificuldade na retenção de memórias. Existia também um menor grau de neurogênese (produção de novos neurônios, essencial para a consolidação de memórias) no giro denteado dessas fêmeas.
O tamanho do hipocampo era ainda menor quanto mais avançada era a gravidez. O que explicaria a pior memória no terceiro trimestre de gestação. Mais uma vez: apenas coincidência? Provavelmente não…
Melhor prender a respiração…
Poluentes. Ouvimos essa palavra desde as primeiras séries do fundamental. Com toda a razão, na verdade… A concentração de micropartículas que poluem o ar atmosférico é crescente nos grandes centros urbanos.
Essas partículas, em geral, carregam hidrocarbonetos policíclicos: moléculas resultantes da combustão incompleta de compostos orgânicos. Como vários outros elementos do nosso dia a dia, podem ser cancerígenos. E, como se isso não fosse suficiente, também podem atrapalhar o desenvolvimento embrionário.
Existem pesquisas recentes que relacionaram, especificamente, o grau de poluição ambiental ao qual as gestantes se expunham e diversas complicações do feto. Só para listar algumas, as crianças nasciam com menor peso e menor perímetro cefálico (PC).
O menor PC relaciona-se com dificuldades cognitivas e menor QI ao longo do desenvolvimento infantil. Pior ainda: mães expostas a maior quantidade de poluentes davam a luz a mais crianças portadoras de autismo do que as mães menos expostas durante a gravidez…
Ainda não acredita? Diga isso para as mães chinesas. Com algumas das cidades mais poluídas do mundo, a China (especificamente, Pequim) foi palco de um estudo durante as Olimpíadas de 2008.
Durante esse período, o país tomou medidas para reduzir a poluição local, conseguindo diminuí-la em até 60% para sediar os jogos. Resultado: as crianças nascidas nesse período tinham maior peso ao nascimento que crianças nascidas na mesma época dos anos de 2007 e 2009. Ao que tudo indica, tanto para as questões de peso quanto para o autismo, o período de exposição com maior risco é o 3º trimestre de gestação.
Outras várias substâncias comprovadamente afetam o desenvolvimento embrionário. Agrotóxicos, por exemplo, também aumentam o risco do desenvolvimento de autismo, especialmente quando a exposição ocorre ao final da gravidez.
Ou seja, muito cuidado com o ambiente… nossas gestantes e crianças também estão em perigo.
É preciso se preocupar com a saúde dos filhos. Mas também é preciso cuidado para não cair em algumas armadilhas por aí. Você já deve ter ouvido falar que vacinas podem causar Autismo. Será que é verdade? Descubra aqui.
Fontes: Oxford Journals, Evolution & Human Behavior, Chicago Journals, Molecular Psychiatry, Journal of Clinical and Experimental Neuropsychology, BMC Medicine, JAMA Psychiatry, Children’s Health, Environmental Health Perspectives (1), Environmental Health Perspectives (2), Environmental Health Perspectives (3)