Tratar doenças em geral não é algo muito fácil. Para quem pratica, fica claro que até mesmo um tratamento de uma simples dor de cabeça pode não ser tão simples e previsível assim. O que falar, então, do campo ainda incerto e misterioso da saúde mental? Se existe uma parte do corpo que é imprevisível, é o tal do cérebro. Você sempre quis entender um pouco de como funcionam aqueles “remedinhos de doido” que talvez algum parente seu tome e você nem saiba? Vamos tentar explicar de uma maneira mais simples e geral como alguns deles agem.
Antipsicóticos
As síndromes psicóticas, aquelas que cursam com alucinações, delírios e, em alguns casos, com declínio cognitivo, são muito variadas tanto em questão de sintomas quanto de etiologias. Existem as “primárias”, como a esquizofrenia, e outras “secundárias” a outras condições de saúde como as demências, a depressão e o uso de algumas drogas. Em geral, as pesquisas mostraram que os sintomas das psicoses surgem pelo excesso de dopamina atuando no cérebro, em especial sobre receptores D2. A cocaína, por exemplo, atua inibindo a recaptação de dopamina nas sinapses, acumulando-a no espaço entre dois neurônios. Como se trata isso, então? Com bloqueadores dos receptores D2 de dopamina, é claro! E aí entram praticamente todos os antipsicóticos conhecidos.
Os primeiros antipsicóticos criados, conhecidos como típicos, atuavam quase que exclusivamente sobre a dopamina, podendo citar como exemplos o haloperidol e a clorpromazina. Contudo, o bloqueio era tão potente, que surgiam efeitos colaterais, como a síndrome extrapiramidal (com sintomas semelhantes aos da doença de Parkinson). Para evitar isso, foram criados os antipsicóticos atípicos, que atuam tanto sobre receptores de dopamina quanto de serotonina. Como exemplos, temos a risperidona, a olanzapina, a quetiapina e outros. E aí pode surgir a pergunta: “Mas, se eles atuam menos sobre a dopamina, devem ser menos eficientes… não?”. Para a surpresa de todos, eles atuam satisfatoriamente sobre a psicose sem causar tantos efeitos colaterais, o que fez os cientistas se questionarem se os sintomas psicóticos realmente vinham só da ativação excessiva por dopamina. Essa suspeita é apoiada pela observação, nas pesquisas, de que excessos de serotonina e acetilcolina também podem desencadear alucinações e outros sintomas psicóticos.
Esses medicamentos podem ser necessários a longo prazo nos casos de psicose por esquizofrenia ou mania, mas podem ser usados por curto período de tempo naqueles casos de psicose autolimitados (geralmente, secundários a um quadro depressivo ou uso de drogas). Nas psicoses “secundárias”, claro, o tratamento realmente eficaz é o tratamento da condição de base associada à síndrome.
Antidepressivos
Os famosos antidepressivos atuam de maneira um pouco diferente. O que as pesquisas mostraram, ao longo do tempo, é que os sintomas depressivos eram gerados, muitas vezes pela deficiência na neurotransmissão por serotonina e noradrenalina. O uso de medicamentos que aumentavam a quantidade desses neurotransmissores (NT) no cérebro melhorava os sintomas, completando os resultados.
Consequentemente, o que os antidepressivos fazem é aumentar a quantidade de serotonina e/ou noradrenalina na fenda sináptica através de diversos mecanismos. Quando os NT são liberados na sinapse, são também recaptados pelo neurônio que os liberou, a fim de reutilizá-los ou para que sejam destruídos. Por isso, se as proteínas que fazem essa recaptação forem bloqueadas, a o efeito do NT aumenta. Isso pode ser feito por bloqueadores da recaptação de serotonina e noradrenalina (antidepressivos tricíclicos e inibidores da recaptação de serotonina e noradrenalina – IRSN), bloqueio da recaptação de serotonina isoladamente (pelos inibidores seletivos da recaptação de serotonina – IRSS) ou pelo bloqueio de enzimas que degradariam e eliminariam essas substâncias (como os inibidores da monoaminooxidase – IMAO). Alguns exemplos de cada classe são:
– Tricíclicos: Amitriptilina, nortriptilina, imipramina, doxepina e outros
– IRSN: venlafaxina, duloxetina e outros
– IRSS: sertralina, fluoxetina, paroxetina, escitalopram, citalopram e outros
– IMAO: iproniazida, isocarboxazida e outros.
Assim como os antipsicóticos, por atuarem em vários tipos de NT, existem variações grandes de efeitos de um para o outro, mesmo entre medicamentos da mesma classe. Um pode ser muito mais potente que o outro, ou mesmo apresentar efeitos “extras” como atuar melhor na redução da ansiedade, causar sonolência e etc. Também existe grande variedade nos efeitos colaterais.
Muitos pacientes desistem do tratamento em seu início por esperarem um efeito imediato da droga. É importante lembrar que o efeito dos antidepressivos aumenta com o tempo e que, na grande maioria dos casos, os efeitos só se iniciam dentro de 3 a 4 semanas! Ou seja: nesse caso, tempo é efeito e é preciso paciência até que os resultados comecem a aparecer.
Sedativos e hipnóticos
Insônia e ansiedade são problemas comuns tratados, algumas vezes, com medicamentos também comuns. Os agentes sedativos e hipnóticos são usados em contextos muito variados, desde tratamento dos problemas do sono até crises convulsivas. Eles podem exercer efeito sedativo (induzindo calma, redução da atividade e sonolência) ou hipnótico (induzindo o sono) dependendo da potência do medicamento e da dose usada.
A grande maioria desses psicofármacos atua sobre um NT chamado GABA. Os benzodiazepínicos (dizepam, lorazepam, clonazepam, alprazolam e outros) e medicamentos semelhantes (como zolpidem, zopiclona e outros) atuam sobre receptores de GABA aumentando sua afinidade pelo NT. Outros agentes como os barbitúricos (fenobarbital, pentobarbital e outros) atuam semelhantemente aos benzodiazepínicos, mas aumentam a atividade dos receptores através de outros mecanismos (aumentando a passagem de íons cloreto através da membrana neuronal, por exemplo).
E aí vem a grande dúvida da maioria dos usuários desses medicamentos: eles causam dependência? Como a maioria dos assuntos em medicina: nem sempre e nem nunca. O uso ao longo de algumas semanas já é suficiente para causar certo grau de tolerância (ou seja, a pessoa precisa de doses maiores do psicofármaco para atingir os mesmos efeitos de antes). Em alguns casos, ocorre até mesmo crises de abstinência com ansiedade e sintomas depressivos na retirada do remédio. Se houver essa tolerância, o quadro pode ser tratado com uma retirada gradual do medicamento (ao invés de uma retirada brusca) ou com o uso de outros fármacos (como o flumazenil ou antidepressivos).
Por que saber sobre isso?
Talvez para a população em geral, nem todas essas informações sejam muito relevantes. Para essas pessoas, é importante entender alguns princípios do uso desses medicamentos. Primeiramente, apesar dos nomes, você não precisa ter esquizofrenia para precisar de um antipsicótico. Existe grande preconceito com os “remédios de doido” que aumentam a resistência dos pacientes ao tratamento. As funções cerebrais são muito complexas, e os neurotransmissores sobre os quais esses remédios atuam (dopamina, serotonina, noradrenalina, GABA, glutamato, acetilcolina etc) estão envolvidos em muitas outras funções corporais (não só neuropsiquiátricas). Por isso, não se assuste se seu profissional da saúde te passar um desses remédios: ele/a não (necessariamente) está querendo internar você em um hospital psiquiátrico. A ansiedade, por exemplo, pode ser tratada com antidepressivos, sedativos/hipnóticos ou mesmo com antipsicóticos.
Já para os médicos, é importante entender a fundo como os psicofármacos funcionam e as particularidades que existem dentro de cada classe. Se, por um lado, os pacientes têm resistência ao uso desses medicamentos, por outro, existem médicos receitando desnecessariamente ou de forma errônea esses psicofármacos. É importante lembrar dos possíveis efeitos colaterais de cada um, dos horários mais adequados de administração etc. Também vale ressaltar que as medidas não farmacológicas são essenciais em saúde mental, sendo complementadas por e complementares às terapias farmacológicas.
Fontes: Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais, Goodman & Gilman: As bases farmacológicas da terapêutica
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