Saúde humana é algo complexo. Em concordância com a famosa visão biopsicossocial do ser humano, problemas em um desses pilares comprometem todos os outros. Confira como algumas doenças “do corpo” afetam a mente.
Saúde humana é algo complexo. Inclusive, e principalmente, porque temos sentimentos e pensamentos complexos. Em concordância com a famosa visão biopsicossocial do ser humano, problemas em um desses pilares comprometem todos os outros.
Ao contrário do que muitos imaginam, corpo e mente não são coisas separadas. Por isso, várias doenças, apesar de orgânicas, podem causar sintomas psiquiátricos e vice-versa. É claro que as doenças, em especial as crônicas, sempre geram estresse. Causam, com isso, alterações de humor, atenção, ansiedade… Mas, em alguns casos, os sintomas podem se originar por mecanismos que você nem imagina! Confira alguns:
Doença renal crônica
A doença renal crônica (antigamente chamada de insuficiência renal crônica) pode ocorrer em várias situações, caracterizando-se por um falência dos rins que os torna incapazes de filtrar o sangue e excretar suas impurezas de maneira adequada. Como resultado, a composição do sangue muda (com alteração dos eletrólitos, aumento da ureia, alteração na quantidade de hormônios); outros problemas sistêmicos surgem, como a hipertensão e a anemia. Resultado: delirium (definido como alucinações, rebaixamento do nível de consciência e outros sintomas psiquiátricos associados que têm uma origem orgânica), depressão, ideação suicida e ansiedade. Para complicar, o principal tratamento disponível, a diálise, compromete muito a qualidade de vida do paciente, além de ser capaz de causar seus próprios distúrbios psiquiátricos, como a síndrome diálise-demência.
Encefalopatia hepática
Essa doença ocorre em pacientes com insuficiência hepática, que se instala mais comumente na cirrose, decorrente do alcoolismo ou de hepatites crônicas. O fígado, assim como o rim, limpa o sangue de várias impurezas, tanto transformando-as em substâncias inofensivas, quanto preparando-as para posterior excreção na bile ou na urina. Uma das especialidades do fígado é a eliminação da amônia, transformando-a na ureia que será eliminada pelos rins. Sem um fígado funcionante, essa e outras toxinas se acumulam no sangue e começam a colocar o cérebro sob mal-funcionamento, gerando confusão mental, problemas de memória, alterações de personalidade, torpor, podendo chegar ao coma.
Psicose lúpica
O Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) é uma doença autoimune que, ao produzir anticorpos contra estruturas normais das células, leva a danos em vários órgãos, incluindo o cérebro. Pacientes com LES podem apresentar problemas de memória e cognição e mesmo chegar à demência. Todavia, um dos quadros mais estranhos e raros é a psicose lúpica. Ela ocorre durante as crises de piora da doença e cursa com quadro semelhante ao da esquizofrenia: alucinações auditivas, delírios de perseguição, irritabilidade, agitação e alterações de humor (com risos e choros sem motivo).
PANDAS
Sigla em inglês para Desordens Neuropsiquiátricas Autoimunes da Criança Associadas a infecção por Streptococcus. Ocorre em crianças após as amigdalites por estreptococos beta-hemolíticos do grupo A de Lancefield (os agentes bacterianos mais comuns das amigdalofaringites na infância). Estudos mostram que, nas crianças com PANDAS, há um nível maior de anticorpos circulantes que coincidem com aqueles presentes na doença reumática (também decorrente da amigdalofaringite estreptocócica). Isso sugere que um dano cerebral autoimune desencadeado pela infecção seria o responsável por essa condição. A síndrome em si cursa, em especial, com sintomas que simulam o TOC, incluindo tiques e comportamentos obsessivos verdadeiros. A dúvida é se a PANDAS é uma entidade clínica separada ou não, considerando-se que ocorre comumente em crianças que já têm histórico pessoal ou familiar de TOC, o que sugere mais uma exacerbação de sintomas que uma síndrome à parte.
Doenças inflamatórias intestinais
Doença de Crohn e retocolite ulcerativa, mais especificamente. São condições caracterizadas por uma resposta imune exagerada aos microorganismos que naturalmente vivem nos intestinos, resultando em inflamação crônica. Os pacientes com DII são comumente acometidos por depressão e ansiedade, nesse caso muito por uma questão psicossocial: a doença diminui muito a qualidade de vida, com quadros recorrentes de diarreia sanguinolenta, dor abdominal, febre e indisposição. Contudo, existe a possibilidade de lesões cerebrais verdadeiras, tanto por dano neuronal direto (em consequência à inflamação sistêmica), quanto por problemas vasculares, uma vez que esses pacientes apresentam uma maior propensão ao declínio cognitivo e mesmo a convulsões.
Erros do metabolismo
Várias doenças metabólicas também causam sintomas neuropsiquiátricos. A doença de Wilson (acúmulo de cobre em vários órgãos), a xantomatose cerebrotendinosa (acúmulo de colesterol em vários órgãos), as porfirias (defeitos na produção do heme da hemoglobina, com acúmulo de seus precursores tóxicos), a homocisteinemia (acúmulo de homocisteína por falta das vitaminas B12 e B6), os distúrbios do ciclo da ureia (aumentando as taxas de amônia sanguínea), dentre outros exemplos. Pela grande variedade, o leque de manifestação é amplo: desde transtornos do comportamento e do humor, até declínio cognitivo e sintomas esquizofrênicos.
Autor: Carlos Henrique Ribeiro
Fontes: Indian Journal of Nephrology, PubMed Health, Southern Medical Journal (via Medscape), Indian Journal of Psychological Health, Child Health Update, World Journal of Gastroenterology, Journal of Neurology.
Imagem: goo.gl/UE1N7p