Como o álcool age no cérebro? Tudo o que foi dito bêbado, foi pensado sóbrio? Por que a pessoa fica caindo de bêbada? Por que algumas pessoas são mais afetadas do que outras? Se não lembro não fiz… Vale pensar assim?
Ao ingerir a bebida alcoólica, cerca de 20% da absorção ocorre no estômago e os outros 80% restante no intestino delgado. A rapidez com que o álcool é absorvido depende da concentração da bebida e do período em que foi consumido. Durante ou após a refeição, por exemplo, a metabolização do álcool é mais lenta, pois além da degradação do álcool há também alimentos no estômago. Dessa forma, ocorre um retardo da absorção e o transporte para a corrente sanguínea ocorre gradualmente, minimizando seus efeitos.
Ao cair na corrente sanguínea o álcool afeta todos os sistemas do corpo e, principalmente, o sistema nervoso central, particularmente sensível. O álcool presente no sangue atravessa a barreira hematoencefálica e atinge diretamente os neurônios, alterando sua atividade.
Como o álcool age no cérebro?
O álcool altera o equilíbrio das substâncias químicas responsáveis pelas sinapses neuronais: aumenta a concentração do neurotransmissor inibitório GABA e diminui a concentração do neurotransmissor excitatório glutamato. Modifica, portanto, a atividade elétrica neural, acarretando rebaixamento global da atividade cerebral. Como consequência, o indivíduo apresenta fala arrastada, pensamento lentificado, atraso da reação a estímulos sensoriais, visão turva, prejuízo da memória e diminuição do tônus muscular. Provoca, em contrapartida, a depressão dos centros inibitórios do comportamento, causando animação, loquacidade e sociabilidade.

“Tudo o que foi dito bêbado foi pensado sóbrio”. Será?
A ingestão de álcool provoca o aumento da liberação de dopamina que atua nas conexões do sistema de recompensa cerebral, localizadas no córtex pré-frontal, criando a sensação de prazer e bem-estar frequente após beber. Associado a isso, o lobo frontal, responsável por regular o comportamento, elaborando julgamentos e controlando a emoção, também sofre alterações. O indivíduo perde a noção das consequências de seus atos, passando a agir de forma impulsiva. Dirigir após beber e manter relações sexuais desprotegidas são exemplos. A pessoa tende a agir de forma diferente do que é esperado em outras circunstâncias. Mostra-se mais sensível, excessivamente sentimental ou irritadiço. Não teme em dizer o que lhe vem à cabeça ou fazer o que está com vontade. A autorregulação do seu comportamento foi afetada.
“Se não lembro, não fiz”. Verdade?
Uma justificativa muito utilizada para as ações impulsivas realizadas durante o momento de embriaguez. Como é possível não se lembrar do que fez na noite passada? Isso acontece porque o álcool age sobre o hipocampo, uma porção medial e profunda do cérebro responsável pela aquisição de novas memórias. Portanto, quando tal área é afetada, ocorrem lapsos de memória e esquecimentos.
Por que a pessoa fica “caindo de bêbada”?
O álcool também age sobre o cerebelo. O cerebelo funciona como um grande auxiliar do córtex motor primário, sendo responsável por regular a atividade motora consciente, o equilíbrio e as demais funções motoras complexas. Por isso, após ingerir bebida alcoólica, a pessoa apresenta dificuldade para se manter de pé ou andar em linha reta. Tem seus reflexos diminuídos, assim como o tônus muscular.
Ação do álcool em outras áreas do cérebro
“Beber” também interfere no hipotálamo, responsável pela liberação de hormônios e neurotransmissores relacionados ao prazer. Como consequência, o álcool aumenta os impulsos sexuais e a excitação, mas em excesso acaba diminuindo o desempenho sexual. Age também sobre a medula e o sistema de ativação reticular ascendente, prejudicando a consciência e a atenção, e perturbando os estados naturais de sono e vigília, podendo induzir sonolência ou insônia terminal.
Em níveis inebriantes, o álcool provoca constrição dos vasos sanguíneos cerebrais. Pode, consecutivamente, aumentar a pressão sanguínea, exacerbando condições como crises de enxaqueca.
Por que algumas pessoas são mais afetadas do que outras?
Os efeitos do álcool estão diretamente relacionados com a forma como o organismo metaboliza o álcool. Isso é mais determinante do que a quantidade de bebida ingerida. Nesse sentido, questões genéticas, histórico familiar, idade e diferenças entre os sexos podem tornar determinado indivíduo mais suscetível aos efeitos da bebida mesmo quando consome a mesma quantidade de álcool do que outro. Algumas pessoas são inclusive mais propensas a desenvolverem cirrose alcoólica e doenças do coração e dos nervos relacionadas ao álcool.
Efeitos sistêmicos do álcool
Pessoas que bebem grandes quantidades de álcool por longos períodos de tempo correm o risco de desenvolver alterações graves e persistentes no cérebro, bem como disfunções em outros órgãos específicos como fígado, rins e coração. O fígado é particularmente afetado, já que é responsável pela “quebra” do álcool em seus subprodutos. Quando atua de modo disfuncional, devido à cirrose hepática ou hepatite alcoólica, pode acarretar prejuízos ao cérebro por meio da encefalopatia hepática. Esta condição gera alterações do sono, do humor, da personalidade e relaciona-se ainda com a ansiedade e depressão.
O álcool irrita a mucosa do estômago e do intestino, causando vômitos, náuseas, úlceras, febre, perda de apetite, dor abdominal e icterícia (“amarelão”). A longo prazo, pode ocasionar pancreatite e aumentar o risco de câncer de boca, garganta, laringe e esôfago.
Conclusão
A ingestão de álcool causa múltiplos efeitos no organismo e pode acarretar prejuízos nos mais diferentes sistemas, principalmente, no sistema nervoso central. Em razão disso, torna-se necessária a racionalidade do consumo de bebidas alcoólicas. O alcoolismo é uma epidemia que deixa vítimas no trânsito, nas famílias, no pensamento e motivação dos usuários. O pior é que, após certo tempo, o usuário perde a capacidade de compreender esses malefícios, o que exige um esforço de terceiros, conhecidos ou não, para mudar o quadro que terrivelmente se impõe.
Autora: Gabriela F. de Camargos Rosa
Referências: ScienceNet Links, National Institute on Alcohol Abuse and Alcoholism , Forbes
Imagens: goo.gl/ZkV0dW, goo.gl/1VW4OC, goo.gl/jwNfdk
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