Como aprender mais? Como memorizar todo o conteúdo da aula? É possível gravar todas as informações importantes do livro que você acabou de ler? Para alguns, isso é mais do que possível. Conheça pessoas com memórias extraordinárias e a Síndrome de Savant.
A história de Kim Peek é bem conhecida. O filme Rain Man, de Barry Morrow, foi baseado na bibliografia do norte-americano. Kim, que nasceu em 1951 e faleceu em 2009, leu cerca de doze mil livros, entre os quais as obras de Willian Shakespeare, a Bíblia e o Alcorão. Porém, o estadunidense apresentava uma diferença básica em relação à maioria das pessoas: ele se lembrava de tudo o que lia ou via. Ele conseguia reter 98% de todas as informações que lhe eram apresentadas, algo bem distante da média, já que a sociedade retém em média 45% do que lê ou ouve.
O britânico Daniel Tammet, nascido em 1979, tem uma memória tão brilhante quanto à de Kim. No entanto, a memória de Daniel é principalmente dirigida para a Matemática e o aprendizado de idiomas diferentes. O britânico consegue responder rapidamente quanto é vinte e oito elevado à quinta potência. Sem fazer conta ou ter decorado algo, ele responde: 17.210.368. Além disso, atualmente, ele fala mais de 11 línguas diferentes.
O neurologista Oliver Sacks registrou no livro Um Antropólogo em Marte o caso do desenhista inglês Stephen Wiltshire. Este tem hoje quarenta anos. O afloramento das habilidades artísticas de Wiltshire ocorreu logo na infância. Aos sete anos de idade, já conseguia desenhar edifícios com uma enorme riqueza de detalhes, após olhar para a construção por poucos minutos.
O que está por trás dessas habilidades tão extraordinárias?
Kim, Daniel e Stephen foram diagnosticados com Síndrome de Savant, uma condição que ainda intriga as neurociências. Apesar das habilidades extraordinárias em áreas como a Matemática e a Arte, ambos apresentam problemas na coordenação motora e outros problemas no desenvolvimento do Sistema Nervoso. Kim Peek, por exemplo, vivia uma vida reclusa, pois tinha dificuldades para a realização de atividades cotidianas, como abotoar a camisa. Stephen Wiltshire, além de problemas no desenvolvimento motor, já apresentou problemas no convívio social e era praticamente mudo.
A Síndrome de Savant (Savant é derivado da palavra francesa savoir que significa “saber”), ou Doença dos Sábios Solitários, é uma condição rara, mais comum em homens, caracterizada por um conjunto de manifestações que variam desde grande déficit na coordenação motora até uma memória extraordinária. Existem muitas teorias que explicam essa dicotomia extrema, das quais, pode-se citar o recrutamento de neurônios de uma área do Sistema Nervoso Central, que participa do comando da habilidade debilitada (como a coordenação motora) por outras áreas cerebrais (como a área da Matemática) que, a partir disso, comandarão muito melhor outras habilidades.
É uma condição adquirida?
O único consenso que existe é que a Síndrome de Savant, normalmente, ocorre devido à predisposição genética. Ainda não se sabe quais são os genes que influenciam a reorganização neural, privilegiando certas áreas cerebrais em detrimento de outras. Há casos na literatura de indivíduos que tiveram perdas em algumas áreas cerebrais, devido a uma meningite, por exemplo, e, posteriormente, tiveram melhoras significativas em outras áreas cerebrais, como áreas relacionadas a memória. Isso seria uma espécie de “savantismo adquirido”; mas não existe consenso científico quanto a existência deste.
Mitos e verdades
Alguns observadores apontam que, apesar das capacidades de memória e cópia perfeitas apresentadas pelos savantistas, eles não seriam criativos. Tal afirmação está errada, pois muitos artistas com a Síndrome de Savant começam sim as suas carreiras a partir de réplicas perfeitas, mas, já foi observado que, posteriormente, começam a improvisar e a criar.
O Savantismo foi por muito tempo confundido com o Autismo. Mas, hoje se sabe que os dois não são sinônimos. Porém, 50% das pessoas com a Síndrome de Savant possui Autismo e um a cada dez autistas tem habilidades savantes.
Outros associam a síndrome a QI baixo, o que também não foi comprovado. Embora seja verdade que a maioria dos savantistas apresente nos teste de Quociente de Inteligência resultados entre 50 e 70, em alguns casos, o QI pode ser tão elevado quanto 125, ou mesmo mais elevado. Assim, um nível abaixo de 70 não deve desqualificar alguém que tenha Síndrome de Savant. Um dos motivos dessa média baixa observada é que a medição depende fortemente de escalas verbais, e muitos indivíduos com Síndrome de Savant, comumente, têm déficits na linguagem. A segunda razão para a baixa pontuação é o fato de que os testes de QI medem apenas uma faceta da inteligência e os savantistas apresentariam múltiplas formas de inteligência, não detectadas pelos testes.
Mistérios a serem desvendados
Ainda existem muitos mistérios circundando a síndrome, como a alta frequência entre os savantistas da tríade: transtorno mental, problemas de visão e dom musical. O primeiro savantista que apresentou tal tríade foi Thomas Bethune, mais conhecido como ”Tom Cego”, nascido em 1850. Ele apresentou o seu primeiro concerto público de piano aos 8 anos de idade. A partir de então, ele tornou-se uma celebridade internacional e foi o mais célebre concertista negro do século XIX. Seu repertório era imenso, incluindo muitas de suas próprias composições, sendo que a primeira ele criou aos cinco anos de idade. Outros exemplos de savantistas que apresentaram a tríade descrita acima: o estadunidense Leslie Lemke, o britânico Derek Paravicini e o japonês Hikari Oe.
Algo é bem nítido em tudo isso. A família e outros cuidadores, professores ou mentores têm um papel muito importante: descobrir o dom especial de cada um, especialmente ainda na infância; em seguida, com ternura e amor, estimular e incentivar esse dom. Pois, diante de uma condição não desvendada ainda pela ciência, o apoio familiar e da sociedade torna-se algo preponderante para uma maior qualidade de vida dos envolvidos.
Fontes: Daily Mail, Journal of Autism and International Disorders, International Journal on Disability and Human Development