O consumo de álcool é uma prática comum em muitas culturas ao redor do mundo. No entanto, seus efeitos no cérebro são complexos e, muitas vezes, prejudiciais. Compreender como o álcool afeta o cérebro é essencial para promover a conscientização e a moderação no consumo. Neste artigo, exploraremos nove efeitos do álcool no cérebro, baseando-nos em evidências científicas recentes de pesquisas confiáveis. Abordaremos os impactos nos neurotransmissores, neurônios, funções intelectuais e cognitivas, alterações do sono, entre outros efeitos.
9 efeitos do álcool no cérebro
1. Alterações nos neurotransmissores provocadas pelo álcool
Os neurotransmissores são substâncias químicas que transmitem sinais entre os neurônios. O álcool tem um impacto significativo nesses mensageiros químicos. As evidências mostram que o álcool altera o equilíbrio dos neurotransmissores, o que é em grande parte responsável pelos efeitos no cérebro e no comportamento.
Glutamato e GABA
O álcool é conhecido por inibir a função do glutamato, um neurotransmissor excitatório. Isso resulta em uma redução na excitabilidade neuronal, o que pode levar a uma diminuição nas funções cognitivas e motoras. Por outro lado, o álcool aumenta a atividade do GABA (ácido gama-aminobutírico), um neurotransmissor inibitório. Esse aumento na atividade do GABA contribui para os efeitos sedativos e ansiolíticos do álcool, resultando em fala arrastada, pensamento lentificado e diminuição do tônus muscular.
Dopamina
O consumo de álcool também está associado ao aumento da liberação de dopamina no cérebro, particularmente no sistema de recompensa. A dopamina está ligada às sensações de prazer e recompensa, o que pode explicar o potencial viciante do álcool. Estudos mostram que a repetida liberação de dopamina devido ao consumo de álcool pode levar à dependência e ao desenvolvimento de tolerância.
2. Danos aos neurônios
O consumo crônico de álcool pode levar a danos significativos aos neurônios. A neurotoxicidade do álcool é bem documentada, com evidências mostrando que o consumo excessivo pode causar a morte neuronal e a redução da neurogênese (formação de novos neurônios).
Neuroinflamação
O álcool também pode causar neuroinflamação, que é uma resposta inflamatória no cérebro. A neuroinflamação está associada a várias condições neurodegenerativas, como a doença de Alzheimer e a doença de Parkinson. Estudos recentes sugerem que o consumo crônico de álcool pode exacerbar a neuroinflamação, acelerando o declínio cognitivo.
Morte neuronal
Pesquisas indicam que o álcool pode induzir a apoptose (morte celular programada) em neurônios. Esse efeito é particularmente preocupante no cérebro em desenvolvimento, como em adolescentes e jovens adultos. Estudos demonstram que a exposição ao álcool durante o desenvolvimento pode resultar em déficits cognitivos duradouros e problemas comportamentais.
Atrofia cerebral e álcool
Pessoas com transtorno por uso de álcool tendem a apresentar adelgaçamento em regiões do córtex cerebral. A camada externa enrugada do cérebro é crítica para muitas funções cognitivas de ordem superior.
O estudo norte-americano descobriu que os indivíduos que pararam de beber ganharam espessura cortical ao longo do tempo, mais rapidamente no primeiro mês e mantendo esse ganho ao longo de 7,3 meses, momento em que a espessura já é comparável àqueles sem o transtorno.
Pesquisas anteriores mostraram que algumas regiões podem se recuperar quando alguém para de beber, mas até então não estava claro o quanto ou a rapidez com que essa recuperação se dava.
Um ponto a ser destacado é que alterações na estrutura e função cerebral decorrentes do uso crônico de álcool podem tornar difícil para as pessoas pararem de beber, apesar de suas melhores intenções. A explicação está na neuroanatomia: o córtex pré-frontal (área envolvida no planeamento e na tomada de decisões) pode tornar-se menos ativo e até atrofiado, tornando mais difícil para essas pessoas tomarem decisões saudáveis.
O estudo da referência foi liderado pelo psiquiatra e cientista comportamental Timothy Durazzo, da Stanford University.
3. Efeitos do álcool na memória e aprendizagem
O álcool pode ter efeitos profundos nas funções intelectuais e cognitivas. Esses efeitos variam de acordo com a quantidade e a frequência do consumo, bem como a suscetibilidade individual.
Amnnésia alcoólica
Memória e Aprendizado
A memória e o aprendizado são particularmente afetados pelo consumo de álcool. O álcool pode interferir na consolidação da memória, o processo pelo qual as novas informações são armazenadas no cérebro. Estudos mostram que até mesmo quantidades moderadas de álcool podem prejudicar a memória de curto prazo e a capacidade de aprendizado. Isso se deve ao impacto do álcool no hipocampo, uma área do cérebro responsável pela aquisição de novas memórias, levando a lapsos de memória e esquecimentos.
Função Executiva
A função executiva, que inclui habilidades como planejamento, tomada de decisão e controle de impulsos, também é impactada pelo álcool. O consumo de álcool pode levar a uma diminuição na função executiva, resultando em comportamentos impulsivos e decisões inadequadas. Pesquisas indicam que o consumo crônico pode levar a déficits permanentes nessas áreas. Isso se deve ao efeito do álcool no lobo frontal, responsável por regular o comportamento, elaborar julgamentos e controlar as emoções, fazendo com que o indivíduo perca a noção das consequências de seus atos e aja de forma impulsiva.
4. Alterações no Sono
O álcool é frequentemente usado como um auxílio para dormir, mas seus efeitos no sono são complexos e geralmente prejudiciais a longo prazo.
Indução do Sono
Inicialmente, o álcool pode ajudar a induzir o sono devido aos seus efeitos sedativos. No entanto, essa indução é de curta duração e pode levar a um sono fragmentado e de baixa qualidade. Estudos mostram que o álcool pode reduzir a quantidade de sono REM (movimento rápido dos olhos), que é crucial para a restauração cognitiva e emocional. Em outras palavras, o álcool prejudica a função reparadora do sono.
Distúrbios do Sono
O consumo crônico de álcool pode levar a distúrbios do sono, como insônia e apneia do sono. Pesquisas indicam que o álcool pode agravar a apneia do sono, uma condição em que a respiração é interrompida durante o sono, resultando em má qualidade do sono e fadiga diurna.
5. Efeitos a Longo Prazo e Doenças Neurodegenerativas
O consumo prolongado de álcool está associado a vários efeitos negativos a longo prazo, incluindo um aumento do risco de doenças neurodegenerativas.
Demência e Síndrome de Wernicke-Korsakoff
A demência alcoólica e a síndrome de Wernicke-Korsakoff são condições graves associadas ao consumo crônico de álcool. A demência alcoólica é caracterizada por uma perda de memória progressiva e outras funções cognitivas. A síndrome de Wernicke-Korsakoff, por sua vez, é causada pela deficiência de tiamina (vitamina B1) e pode resultar em confusão mental, problemas de coordenação e perda de memória severa. Estudos mostram que a intervenção precoce e a abstinência do álcool podem melhorar alguns sintomas, mas muitas vezes os danos são permanentes.
Doença de Alzheimer
Há uma crescente evidência que sugere que o consumo excessivo de álcool pode estar associado a um aumento do risco de desenvolver a doença de Alzheimer. A neuroinflamação e a morte neuronal induzidas pelo álcool podem acelerar os processos patológicos subjacentes à doença de Alzheimer. Estudos longitudinais indicam que indivíduos com consumo elevado de álcool têm maior probabilidade de desenvolver essa condição neurodegenerativa em comparação com aqueles que consomem álcool com moderação ou abstêm-se completamente.
Outros Efeitos do Álcool no Cérebro e no Corpo
Sistema de Ativação Reticular Ascendente e Medula
O álcool prejudica a consciência e a atenção ao agir sobre o sistema de ativação reticular ascendente e a medula. Isso pode perturbar os estados naturais de sono e vigília, podendo induzir sonolência ou insônia terminal.
Hipotálamo
O álcool também interfere no hipotálamo, responsável pela liberação de hormônios e neurotransmissores relacionados ao prazer. Como consequência, o álcool aumenta os impulsos sexuais e a excitação, mas em excesso pode diminuir o desempenho sexual.
Metabolização do Álcool
Ao ingerir bebida alcoólica, cerca de 20% da absorção ocorre no estômago e os outros 80% no intestino delgado. A rapidez da absorção depende da concentração da bebida e do período de consumo. A metabolização do álcool é mais lenta durante ou após a refeição, pois há alimentos no estômago que retardam a absorção e o transporte do álcool para a corrente sanguínea, minimizando seus efeitos.
Variação Individual na Resposta ao Álcool
Os efeitos do álcool variam de acordo com a forma como o organismo metaboliza o álcool. Questões genéticas, histórico familiar, idade e diferenças entre os sexos podem tornar um indivíduo mais suscetível aos efeitos da bebida, mesmo quando consome a mesma quantidade de álcool que outro. Algumas pessoas são mais propensas a desenvolver cirrose alcoólica e doenças do coração e dos nervos relacionadas ao álcool.
Efeitos Sistêmicos do Álcool
O consumo crônico de álcool pode causar disfunções em órgãos específicos como fígado, rins e coração. O fígado é particularmente afetado, podendo levar à cirrose hepática ou hepatite alcoólica, e acarretar prejuízos ao cérebro por meio da encefalopatia hepática. O álcool também irrita a mucosa do estômago e do intestino, causando vômitos, náuseas, úlceras, febre, perda de apetite, dor abdominal e icterícia. A longo prazo, pode ocasionar pancreatite e aumentar o risco de câncer de boca, garganta, laringe e esôfago.
Considerações Finais
Os efeitos do álcool no cérebro são diversos e profundos. Desde a alteração dos neurotransmissores até os danos neuronais e os impactos nas funções cognitivas e no sono, o álcool pode ter consequências significativas tanto a curto quanto a longo prazo. É crucial promover a conscientização sobre esses efeitos para incentivar o consumo responsável e prevenir danos cerebrais duradouros. Pesquisas contínuas são necessárias para aprofundar nossa compreensão sobre os mecanismos pelos quais o álcool afeta o cérebro e para desenvolver estratégias eficazes de intervenção e prevenção.
Como o álcool age no cérebro? Tudo o que foi dito bêbado, foi pensado sóbrio? Por que a pessoa fica caindo de bêbada? Por que algumas pessoas são mais afetadas do que outras? Se não lembro não fiz… Vale pensar assim?
Ao ingerir a bebida alcoólica, cerca de 20% da absorção ocorre no estômago e os outros 80% restante no intestino delgado. A rapidez com que o álcool é absorvido depende da concentração da bebida e do período em que foi consumido. Durante ou após a refeição, por exemplo, a metabolização do álcool é mais lenta, pois além da degradação do álcool há também alimentos no estômago. Dessa forma, ocorre um retardo da absorção e o transporte para a corrente sanguínea ocorre gradualmente, minimizando seus efeitos.
Ao cair na corrente sanguínea o álcool afeta todos os sistemas do corpo e, principalmente, o sistema nervoso central, particularmente sensível. O álcool presente no sangue atravessa a barreira hematoencefálica e atinge diretamente os neurônios, alterando sua atividade.
Como o álcool age no cérebro?
O álcool altera o equilíbrio das substâncias químicas responsáveis pelas sinapses neuronais: aumenta a concentração do neurotransmissor inibitório GABA e diminui a concentração do neurotransmissor excitatório glutamato. Modifica, portanto, a atividade elétrica neural, acarretando rebaixamento global da atividade cerebral. Como consequência, o indivíduo apresenta fala arrastada, pensamento lentificado, atraso da reação a estímulos sensoriais, visão turva, prejuízo da memória e diminuição do tônus muscular. Provoca, em contrapartida, a depressão dos centros inibitórios do comportamento, causando animação, loquacidade e sociabilidade.
“Tudo o que foi dito bêbado foi pensado sóbrio”. Será?
A ingestão de álcool provoca o aumento da liberação de dopamina que atua nas conexões do sistema de recompensa cerebral, localizadas no córtex pré-frontal, criando a sensação de prazer e bem-estar frequente após beber. Associado a isso, o lobo frontal, responsável por regular o comportamento, elaborando julgamentos e controlando a emoção, também sofre alterações. O indivíduo perde a noção das consequências de seus atos, passando a agir de forma impulsiva. Dirigir após beber e manter relações sexuais desprotegidas são exemplos. A pessoa tende a agir de forma diferente do que é esperado em outras circunstâncias. Mostra-se mais sensível, excessivamente sentimental ou irritadiço. Não teme em dizer o que lhe vem à cabeça ou fazer o que está com vontade. A autorregulação do seu comportamento foi afetada.
“Se não lembro, não fiz”. Verdade?
Uma justificativa muito utilizada para as ações impulsivas realizadas durante o momento de embriaguez. Como é possível não se lembrar do que fez na noite passada? Isso acontece porque o álcool age sobre o hipocampo, uma porção medial e profunda do cérebro responsável pela aquisição de novas memórias. Portanto, quando tal área é afetada, ocorrem lapsos de memória e esquecimentos.
Por que a pessoa fica “caindo de bêbada”?
O álcool também age sobre o cerebelo. O cerebelo funciona como um grande auxiliar do córtex motor primário, sendo responsável por regular a atividade motora consciente, o equilíbrio e as demais funções motoras complexas. Por isso, após ingerir bebida alcoólica, a pessoa apresenta dificuldade para se manter de pé ou andar em linha reta. Tem seus reflexos diminuídos, assim como o tônus muscular.
Ação do álcool em outras áreas do cérebro
“Beber” também interfere no hipotálamo, responsável pela liberação de hormônios e neurotransmissores relacionados ao prazer. Como consequência, o álcool aumenta os impulsos sexuais e a excitação, mas em excesso acaba diminuindo o desempenho sexual. Age também sobre a medula e o sistema de ativação reticular ascendente, prejudicando a consciência e a atenção, e perturbando os estados naturais de sono e vigília, podendo induzir sonolência ou insônia terminal.
Em níveis inebriantes, o álcool provoca constrição dos vasos sanguíneos cerebrais. Pode, consecutivamente, aumentar a pressão sanguínea, exacerbando condições como crises de enxaqueca.
Por que algumas pessoas são mais afetadas do que outras?
Os efeitos do álcool estão diretamente relacionados com a forma como o organismo metaboliza o álcool. Isso é mais determinante do que a quantidade de bebida ingerida. Nesse sentido, questões genéticas, histórico familiar, idade e diferenças entre os sexos podem tornar determinado indivíduo mais suscetível aos efeitos da bebida mesmo quando consome a mesma quantidade de álcool do que outro. Algumas pessoas são inclusive mais propensas a desenvolverem cirrose alcoólica e doenças do coração e dos nervos relacionadas ao álcool.
Efeitos sistêmicos do álcool
Pessoas que bebem grandes quantidades de álcool por longos períodos de tempo correm o risco de desenvolver alterações graves e persistentes no cérebro, bem como disfunções em outros órgãos específicos como fígado, rins e coração. O fígado é particularmente afetado, já que é responsável pela “quebra” do álcool em seus subprodutos. Quando atua de modo disfuncional, devido à cirrose hepática ou hepatite alcoólica, pode acarretar prejuízos ao cérebro por meio da encefalopatia hepática. Esta condição gera alterações do sono, do humor, da personalidade e relaciona-se ainda com a ansiedade e depressão.
O álcool irrita a mucosa do estômago e do intestino, causando vômitos, náuseas, úlceras, febre, perda de apetite, dor abdominal e icterícia (“amarelão”). A longo prazo, pode ocasionar pancreatite e aumentar o risco de câncer de boca, garganta, laringe e esôfago.
Conclusão
A ingestão de álcool causa múltiplos efeitos no organismo e pode acarretar prejuízos nos mais diferentes sistemas, principalmente, no sistema nervoso central. Em razão disso, torna-se necessária a racionalidade do consumo de bebidas alcoólicas. O alcoolismo é uma epidemia que deixa vítimas no trânsito, nas famílias, no pensamento e motivação dos usuários. O pior é que, após certo tempo, o usuário perde a capacidade de compreender esses malefícios, o que exige um esforço de terceiros, conhecidos ou não, para mudar o quadro que terrivelmente se impõe.
Autora: Gabriela F. de Camargos Rosa
Referências: ScienceNet Links, National Institute on Alcohol Abuse and Alcoholism , Forbes
Imagens: goo.gl/ZkV0dW, goo.gl/1VW4OC, goo.gl/jwNfdk
Durazzo, T. C., Stephens, L. H., & Meyerhoff, D. J. (2023). Regional cortical thickness recovery with extended abstinence after treatment in those with alcohol use disorder. Alcohol.
Estou gostando muito dos conteudos do site, muito interessante.
Interessante artigo, gostei.
Muito objetivo…parabens
Ótimo artigo, parabéns!