O seu dia-a-dia tem conflitos?
Com toda certeza que tem, não é? Assim como todo o resto do mundo. Até aí, tudo bem.
A parte ruim é que as brigas parecem não ter fim, não é mesmo?
Já parou para observar aqueles grandes conflitos do jornal?
Brigas políticas, guerras religiosas, disputas territoriais… Coisas que estão lá desde que éramos crianças e as reportagens nem mudaram de manchete (provando que os conflitos continuam iguais).
E o mais engraçado é que você, da sua poltrona, às vezes enxerga soluções até muito óbvias. Ou pelo menos uma possibilidade de conciliação.
Mas os envolvidos estão “cegos” e simplesmente não enxergam essas possibilidades…
Por que será?
Os Conflitos Intratáveis
Existe uma teoria, baseada em uma pesquisa do Proceedings of the National Academy of Sciences (Estados Unidos), que explica muito bem esses problemas.
O grupo responsável pelo estudo define os conflitos intratáveis como aqueles em que nenhum dos lados está aberto a negociações.
Existe uma briga, às vezes sem motivos lá muito óbvios, e que nunca se resolve.
A hipótese da pesquisa era de que, na verdade, esses conflitos seguiam o modelo da Atribuição Assimétrica de Motivos (Motive Attribution Asymmetry).
“Nossa, mas o que é isso?! Nunca ouvi falar.”
Esse modelo trabalha com 2 termos: amor e ódio.
A ideia, na verdade, é bem simples: o modelo propõe que cada grupo envolvido em um conflito justifica sua violência como resultado de um “amor interno do grupo“.
Em outras palavras, eu estou apenas tentando defender meus camaradas contra o inimigo.
Por outro lado, cada grupo também explica a violência do inimigo como “ódio pelo grupo”.
Ou seja, eu ataco para me defender, mas ele ataca porque me odeia.
Parece tudo muito óbvio, não?
Mas aí a cabeça dá um nó: se essa hipótese é de mão-dupla, isso quer dizer que aliados e inimigos são, na verdade, praticamente iguais?
Os dois (?) lados de um conflito
A pesquisa responsável por essa teoria estudou 2 conflitos principais: a política norte-americana (entre Democratas e Republicanos) e o eterno conflito entre Israel e a Palestina.
Basicamente, os pesquisadores pegaram indivíduos de cada grupo e fizeram perguntas bem diretas:
“Você acha que os atos cometidos pelo seu lado são por conta do amor do grupo ou vocês odeiam o outro lado?”
E em seguida, mais uma: “E o outro lado? Eles cometem violência por conta do amor do grupo ou eles odeiam o seu lado?”
Será que a equipe acertou na hipótese?
Em cheio.
Tanto os Democratas quanto os Israelenses responderam que suas ações vinham do amor interno do grupo e do sentimento de união. Enquanto atribuíam os atos dos inimigos ao ódio.
Mas e as respostas dos Republicanos e dos Palestinos?
Foram as mesmas!
Ou seja, todos os grupos acreditavam lutar em prol de seu grupo (não por odiar o inimigo). Mas acreditavam que o inimigo os atacava por puro ódio.
Em nosso país, é possível identificar um conflito esquerda x direita atualmente, não é? Será que um lado se sente mais feliz e satisfeito que o outro? Confira o que as pesquisas nos contam neste link.
Não dá para entrar em um acordo?
Não há dúvidas agora: existe um viés.
E a dura realidade: é esse viés que impossibilita o fim do conflito.
Por quê? Porque isso afeta a discussão de acordos.
A mesma pesquisa também procurou saber se os grupos estariam dispostos a firmar acordos e discutir soluções para ficar em paz.
A resposta: não.
A maioria das respostas ao questionário da pesquisa era dominada por um “essencialismo”: por não perceber que a motivação do inimigo era igual à sua, cada grupo acreditava que o outro era essencialmente ruim.
Logo, a grande maioria acreditava que o inimigo não estaria disposto a um acordo. Ele simplesmente não iria cooperar.
Como consequência, os entrevistados, em geral, responderam que não estariam dispostos a votar por um acordo de paz, nem estariam abertos a negociações.
Bom, se é assim, não há nada que possa mudar esse viés, não é?
O pior é que tem.
O incentivo e a inversão de papéis
Na parte final da pesquisa, os estudiosos tentaram dar um “incentivo” para o pessoal mudar de ideia.
Sim, foi dinheiro.
A única coisa que conseguiram achar para estimular um adulto conflituoso a pensar melhor no assunto. (Se fossem crianças, vai ver seriam brinquedos, quem sabe?)
Basicamente, eles pegaram novos indivíduos para responder aos questionários. Para metade desses, escolhidos por sorteio, eles prometeram uma incentivo financeiro.
A ideia do incentivo não era fazer com que eles mudassem de opinião. Foi pedido apenas que dessem “respostas mais acuradas”.
Ou seja, os participantes teriam que pensar e analisar mais a situação, ao invés de só darem suas respostas logo de cara.
Resultado: parando para pensar melhor no contexto do conflito, o viés se inverteu e um grupo começou a enxergar mais o “amor interno” no grupo oposto.
De forma simplificada, cada um começou a enxergar que, na verdade, os dois grupos queriam mais se defender que atacar o outro por puro ódio.
Essa parte, na verdade, foi feita só com o embate Republicanos x Democratas. Então não se sabe se o efeito seria o mesmo em algo mais “sério” como o conflito Palestina x Israel.
Qual a importância disso?
É claro que conflitos são bem mais complexos do que um simples viés de interpretação.
Na verdade, todos esses conflitos intratáveis se iniciam por um motivo.
A questão é: o que os perpetua é a Atribuição Assimétrica de Motivos. Ou pelo menos, essa é uma das razões, muitas das vezes.
Eu sou sempre inocente e o outro é sempre culpado pelo conflito.
Simples assim.
E, se formos parar para olhar mais a fundo na questão, esse viés veio da dificuldade que temos em nos colocar no outro lado da história.
Quando receberam o “incentivo” para fazer isso, os grupos acabaram percebendo que, apesar dos lados contrários, a motivação de cada um era basicamente a mesma.
O desfecho é uma briga interminável, em que não é possível firmar um acordo.
Não é à toa que, para quem está de fora, o conflito parece sem sentido e bem fácil de resolver, mas os envolvidos simplesmente não enxergam isso.
Qual é a importância disso?
Bom, o intuito não é agora sairmos todos a caminho do Oriente Médio para, heroicamente, convencer os Palestinos e os Israelenses a parar a briga.
Será que esse tipo de viés está apenas nos conflitos políticos, religiosos de grande escala?
E aquelas “panelinhas” que todo mundo já viu na escola? Ou quando as duas famílias de um casal brigam porque “a outra é muito chata”?
Conflitos intratáveis também não estão só nos grupos. Brigas de marido e mulher, entre colegas de trabalho, ou entre um cliente e um funcionário…
Inclusive na atual situação política do país, em que parece não haver meio-termo entre os conflitos ideológicos e partidários.
De certa forma, os problemas em grande escala são reflexos dos de pequena escala.
E eles se originam de um simples vício na forma de pensar e de ver o mundo.
Quem sabe tendo consciência disso conseguimos eliminar esse viés, um dia?
Identificou o assunto no seu dia-a-dia, não foi? Você tem aquela sensação de que vivemos rodeados de polêmicas, até de assuntos que não deveriam chegar a tanto? Se sim, dê uma olhada neste link! Talvez você se identifique com a ideia.
Referência:
Proceedings of the National Academy of Sciences, 2014
Imagens:
Adorei quando a fala nos diz: Amor interno. Isso sim está deixando de existir entre as pessoas. Mas, há que se ter um fim. Eu creio.
Excelente texto Carlos! Realmente as neurociências têm muito a contribuir no estudo dos conflitos humanos. Um abraço!
É verdade, Leonardo, as neurociências podem ser usadas para entender e resolver vários problemas parecidos. Obrigado!
É verdade, Rose! Um dos problemas é bem esse. O medo do outro lado (e de ser o lado inferior) é o que mantém a guerra. E o duro é que os 2 lados costumam pensar assim… Aí a coisa fica difícil de resolver…
Muito obrigado pela reflexão!
Conflitos IMPORTANTES só persistem se uma das partes for inferior a outra em termos de poder de fogo.
Se as duas partes são de igual artilharia , se suportarão (como na guerra fria) por temerem um ao outro.
É o temor que tempera o conflito, se não se tem nada a perder só haverá uma saída o conflito.