Não há tempo hábil para olhar no botão do controle, simplesmente o bom jogador sabe qual e em qual momento deve apertá-lo. Muitas vezes o tempo para decidir é curto, simplesmente se decide. Em uma fase simples de Mário Bros, o jogador controla a velocidade do personagem, a altura do pulo entre as plataformas, coleta itens, esquiva-se dos inimigos, decide sobre caminhos e lugares que serão explorados, resolve enigmas. Se alguém acredita que jogar videogame é uma atividade passiva, pode ser que desconheça ou subestime o poder ativo do cérebro necessário para integrar todas as ações e configurar a vitória do jogador sobre os desafios criados pelo designer do game. Acredite, jogar videogames é a nova academia para nossos cérebros.
“Jogos de videogame são feitos de desafios. O sucesso é medido quase que totalmente pela destreza do jogador, sobretudo, a coordenação mão-olho.” Tiago Eugênio
A neurociência tem se posicionado como a principal advogada de defesa dos games. Pesquisas recentes têm mostrado um efeito positivo destes sobre as funções cognitivas. Essa influência tem sido relacionada a mudanças da massa cinzenta dos jogadores, especialmente no córtex pré-frontal. Em estudo publicado na revista PlosOne, 152 adolescentes foram submetidos à ressonância magnética enquanto jogavam videogame. O experimento estimou a espessura cortical e relacionou com o tempo (horas) de jogatina dos participantes por semana. Os cientistas observaram uma correlação positiva entre a espessura cortical e o tempo em contato com os jogos no córtex pré-frontal dorsolateral esquerdo (DLPFC, sigla em inglês para dorsolateral prefrontal cortex) e o campo visual do lobo frontal esquerdo (FEF, sigla em inglês para left frontal eye fields). Nenhuma região mostrou perda da espessura cortical em associação com o uso dos jogos.
O cérebro das decisões e os jogos
O DLPFC é uma das áreas do córtex pré-frontal mais recentes do cérebro primata, e que sofre mudanças estruturais e funcionais por um longo período – até o início da vida adulta. Relaciona-se às funções executivas, como a memória de trabalho, flexibilidade cognitiva, o planejamento, a inibição comportamental e o raciocínio abstrato. Pesquisas anteriores mostraram que essa área desempenha um papel importante na forma como processamos decisões complexas, tais como aquelas que envolvem opções que incluem a realização de objetivos de curto prazo com implicações a longo prazo. Basicamente, o DLPFC é o núcleo de controle executivo e planejamento estratégico, domínios cognitivos fundamentais para o sucesso nos games. O FEF, por sua vez, é uma região envolvida na integração visual e motora, também conhecida como “coordenação mão-olho” – importante para a elaboração e execução dos movimentos oculares e alocação de atenção visuo-espacial, processos envolvidos fortemente em jogos de videogames. O FEF é responsável pela elaboração de julgamentos sobre como lidar com os estímulos externos. Também é importante na tomada de decisão, uma vez que permite o cérebro se atentar ao tipo de reação mais adequada frente a um estímulo específico.
Juntos, o DLPFC e FEF são cruciais no sistema de tomada de decisão executivo do nosso cérebro. Maior espessura nestas áreas (em outras palavras, mais conexões entre as células cerebrais) indica uma maior capacidade de lidar com diversas variáveis e suas implicações de forma imediata e a longo prazo. Resultados de estudos como esse podem representar a base biológica e os efeitos da sociedade gamer sobre nossos cérebros. É como se estivéssemos descobrindo uma nova academia e encarando o cérebro como um novo músculo que precisa ser exercitado e desafiado. Assim sendo, se hoje o personal trainer é o profissional mais adequado para elaborar exercícios para o corpo, pode ser que no futuro o designer de games seja o profissional mais adequado para elaborar exercícios para nossos cérebros. As escolas devem ser as próximas instituições a absorverem esse novo perfil profissional capaz de criar um ambiente de aprendizagem mais eficaz e divertido.
Nosso cérebro adora ser desafiado.
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